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Entrevista debate racismo: “A políticas de cotas nas universidades públicas é a maior conquista de direitos direcionada a população negra na história”

Em um país carregado da diversidade étnica e que sofre historicamente com o preconceito racial, a UBES chama para conversa o membro do coletivo Enegrecer para discutir o tema que será destaque no 40º CONUBES.

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) é contra toda forma de opressão, e falar desse tipo de comportamento é mais que imprescindível falar do racismo – problema histórico em nossa sociedade marcada pelo preconceito nas relações sociais do cotidiano. Para amplificar o debate de grande acúmulo, especialmente para juventude negra, a entidade chamou para roda de conversa o membro do Coletivo Nacional de Juventude Negra, Clédisson Geraldo dos Santos Júnior.

Também chamado de Enegrecer, uma expressão do movimento social negro nacional, o coletivo tem o objetivo de organizar os jovens brasileiros na busca da efetiva cidadania. Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, que também participará do 40º Congresso da UBES fala uma nova modalidade de discriminação e preconceito racial chamado de racismo institucional.

Confira entrevista exclusiva

Aumentou o número de pessoas que se declaram negras e pardas, segundo estudo publicado pelo IPEA em 2011, caracterizando a valorização racial. Esse resultado é fruto das lutas do movimento negro por reconhecimento?

Clédisson Júnior: A questão da auto-identificação sempre foi um elemento muito caro para a luta dos movimentos de combate ao racismo no Brasil. Um aumento nos dados referentes a auto declaração de brasileiros/as que se identificam como negros após a conquista das políticas de cotas no ensino superior publico dialoga entre outros elementos com uma maior valorização dos negros e negras (em especial os jovens) frente às novas garantias de políticas cidadãs oriundas do Estado brasileiro.

Na luta pela democratização do ensino superior, em que a juventude esteve diretamente envolvida na conquista da política de cotas, como tem sido a resposta sobre a adesão das cotas? O que já aconteceu e o que está sendo feito?

Clédisson Júnior: Pode se dizer que as políticas de cotas para negros nas universidades públicas é a maior conquista de direitos direcionada a população negra na história republicana do Brasil. Um dos maiores desafios para efetivação e maior adesão desta política é a promoção de políticas transversais que garantam um maior número de jovens negros concluindo o ensino médio, haja visto que ainda é alto o número de negros e negras que abandonam a escola para terem que assumir postos cada vez mais precários no mercado de trabalho.

Está havendo fiscalização de políticas afirmativas como as cotas?

Clédisson Júnior: A aprovação da lei de cotas prevê a criação de uma comissão de acompanhamento e controle composta por gestores públicos ligados ao ministério da Educação e membros da sociedade civil. O objetivo é avaliar o impacto e o desenvolvimento na aplicação da lei junto à sociedade brasileira.

No ENEM 2013, o número de candidatos que se declararam pardos ou negros na inscrição cresceu 30%, em relação ao ano passado, isso se deve às políticas afirmativas de participação?

Clédisson Júnior: O Enem hoje se configura como o mais importante instrumento de acesso ao ensino superior público no país e é também o primeiro momento de auto-declaração étnico/racial rumo ao acesso das vagas reservadas pela lei de cotas.

Outros estudos esclarecem que cada brasileiro tem uma mescla maior do que as aparências físicas indicam devido à mistura de raízes. Existe essa mistura, mas como entender isso? Existem trabalhos para dialogar sobre isso?

Clédisson Júnior: Inúmeros foram os estudos desenvolvidos ao longo dos anos para se compreender o processo de mestiçagem no Brasil. De fato hoje o Brasil é no mundo um dos países com o maior número de pessoas que carregam diferentes traços étnicos resultantes dos séculos de inter-relação das raças ao longo da nossa história.

O combate ao racismo tem avançado e está em diversos ambientes, o preconceito também está? Como enxergá-lo?

Clédisson Júnior: Ao contrário do racismo individual, que se aproxima do preconceito, identificamos uma nova modalidade de discriminação e preconceito racial chamado de racismo institucional, que é desencadeado quando as estruturas e instituições, públicas e/ou privadas, atuam de forma diferenciada em relação aos negros e outros segmentos étnicos do nosso país. Podemos identificar este tipo de pratica em exemplos como o tratamento diferenciado que instituições públicas como a polícia militar despendeu para a população negra e para a população branca em casos de abordagem e suspeição.

No dia a dia o preconceito pode passar despercebido? Em casa, na escola, nas ruas?

Clédisson Júnior: Existe um maior avanço na consciência do povo negro brasileiro quanto a nosso pertencimento e da necessidade de se lutar contra esse crime, contudo, o racismo continua desenvolvendo formas cada vez mais sutis de discriminar os negros e negras.

Como a juventude é afetada no seu desenvolvimento pela existência de racismo?

Clédisson Júnior: Ela é a principal vítima da violência urbana, liderando os índices dos que vivem em famílias pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado. Eles encabeçam, também, a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes do tempo e dos que têm maior defasagem escolar. Com esses dados referentes às condições de vida dos jovens negros, não se pode deixar de enfrentar a questão que se explicita: o amplo e diversificado leque de manifestações da discriminação racial que os atinge.

Como identificar a raiz do racismo na vida de um jovem estudante? Onde desponta o reflexo destes problemas?

Clédisson JúniorDe um lado, constata-se um ambiente escolar pouco hospitaleiro, que engendra a evasão ou torna a trajetória educacional mais acidentada; de outro, a grande dificuldade de inserção qualificada no mercado de trabalho. No final da linha observa-se, com estarrecimento, um quadro de extermínio generalizado dos jovens negros nas periferias. É óbvio que esse quadro não favorece a esperança, não estimula a dedicação aos estudos, não alimenta uma perspectiva otimista de futuro.

Se um estudante sofre racismo na escola, pelo professor ou outros estudantes, o que pode ser feito?

Clédisson Júnior: Deve ser feito um esforço casado de procurar as autoridades escolares em companhia dos pais ou responsáveis afim de relator o caso assim como acessar a delegacia de policia para registro de ocorrência e abertura de inquérito levando em consideração a necessidade de apresentar testemunhas para garantir a veracidade da pratica criminosa.

Nas disciplinas escolares qual pode ser o caminho para falar de racismo nas escolas?

Clédisson Júnior: O Brasil hoje conta com um dos mais importantes instrumentos de combate ao racismo com vias a garantir uma educação plural e que respeite a diversidade étnica do nosso povo. A lei 10.639 que abre caminho para a divulgação da cultura africana tem forte representatividade em nossa cultura, nas escolas, em cujas salas de aula se verifica pouquíssima ou nenhuma abordagem do assunto. Desse modo, pode-se dizer que um dos objetivos da obrigatoriedade dessa lei é fazer com que tenhamos um novo olhar sobre essa cultura e a história africanas e afro-brasileiras.

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