Já passa dos 80% o número de profissionais da educação em greve por mudanças na rede de ensino. Enquanto a luta dos professores recebe apoio em todo o Brasil, a polícia e o governo carioca reagem às manifestações com violência e despreparo.
As ações do governo do Rio de Janeiro desencadearam uma crise na educação do estado, a truculência da polícia militar durante as manifestações também denunciam um cenário que a segurança também vai mal. Já são mais de 10 atos protagonizados pelo sindicato e entidades que os apoiam, onde as cenas de agressão policial se destacam junto à falta de diálogo dos governantes. A greve dos profissionais da educação no Rio de Janeiro está em seu 66º dia tem levado milhares de pessoas às ruas para deixar clara sua indignação com a desvalorização dos professores e o desrespeito ao direito da liberdade de se manifestar.
Diversos fatores levam à crise do ensino carioca que anda na contramão das conquistas nacionais de investir na educação e na valorização dos professores para que o setor educacional avance em qualidade. No Rio, as decisões têm sido tomadas sem a participação dos professores, inclusive o Plano de Carreira votado na terça-feira (01/10), redigido a portas fechadas e apresentado aos vereadores sem que fosse possível acompanhar das galerias. A professora Dorotéia Santana, que tem 28 anos de magistério e leciona em Jacarepaguá afirma: “Os professores souberam do plano pela imprensa e mesmo assim, até acompanhar a votação foi trabalhoso e envolveu a PM sendo que a Câmara é a casa do povo”.
Entre os principais problemas que levaram a situação atual está estrutura precária, onde os profissionais não tem autonomia nas matérias e não existe gestão democrática nas escolas. Falta chance de diálogo do governo com a rede estadual, municipal da capital e da rede técnica.
Existe um abismo entre as escolas consideradas “boas” por cumprir a cota do Plano de Metas que bonifica em até 3 mil reais o professor se os estudantes passam de ano, em contrapartida, o plano derruba os salários dos professores nas escolas que não alcançam tal meta. Instaurado em 2011 pelo secretário de educação Wilson Risolia, esse sistema pressiona o professor a manter formato de avaliação ineficaz com a progressão continuada, ou então receber o piso de 700 reais.
Em entrevista à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) a professora carioca Dorotéia Santana, compondo dos 80% dos docentes em greve, fala das crises da educação e da segurança pública no Rio de Janeiro que marcam a história atual do estado e de todo o Brasil. Professora em Jacarepaguá e membro do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ), ela conta com 28 anos de magistério.
Como apontar uma crise na educação carioca? A crise é real?
Dorotéia: É sim, existe uma crise. Ela é formada por vários pontos que a construíram e que fazem parte dessa luta como a progressão automática que existe do 1º ao 2º grau na capital. A grade curricular é reduzida, existe um plano de carreira que exclui mais de 90% da categoria, além da falta de diálogo do governo.
No momento que por todo país o povo pressiona o debate por melhoras na educação, como o governo carioca se posiciona sobre o diálogo com os professores?
Dorotéia: Fizemos várias reuniões, protocolamos documentos e nada. Os secretários e o prefeito não se envolviam, não respondiam ao movimento social organizado. E quando alguém aparecia era o secretário do secretário, ninguém quis se responsabilizar por nada ou até culpava outra pessoa. Mudaram isso quando decidimos em assembleia entrar em estado de greve.
Hoje, falar de educação no Brasil é falar da greve dos professores do Rio de Janeiro. Entre outros resultados das mobilizações, a pauta tem progredido?
Dorotéia: Não foram feitas tantas reuniões como dizem o secretário de educação e o prefeito. Anteriormente, nos tramos e foi proposto que se a categoria parasse a greve outras coisas viriam como os grupos de trabalho (GTs) sobre o Plano de Carreira. Interrompemos a paralisação, mas os GTs não aconteceram e o prefeito não nos recebeu mais.
A greve afirma que o Plano de Carreira aprovado pela Prefeitura exclui 93% da categoria, ganhando força como um dos principais impasses para acordo. O que esse plano significa na vida de um professor do Rio de Janeiro?
Dorotéia: Os professores não reconhecem um plano que foi aprovado omitindo a categoria, eles souberam do plano apresentado pelo prefeito aos vereadores por meio da imprensa, votado na Câmara, que é a casa do povo, de portas fechadas. O SEPE já havia disponibilizado um plano de carreira que foi desconsiderado, assim como sua participação na redação do plano. Até acompanhar a votação foi trabalhoso e envolveu a PM.
A ação da polícia militar tem sido destacada como violenta contra o professor, como você percebe isso? As cenas de violência delatam total despreparo da PM, é uma crise na segurança também?
Dorotéia: Sim, existe uma crise da segurança. Não pode ficar professor apanhando na rua, eles estão criminalizando os movimentos sociais e o direito à manifestação. Essa também é uma mobilização nacional, os professores de Goiânia tomaram a Câmara de lá contra a violência que vem acontecendo.
A ação da polícia militar tem sido destacada como violenta contra o professor, como você percebe isso? As cenas de violência delatam total despreparo da PM, é uma crise na segurança também?
Dorotéia: Sim, existe uma crise da segurança. Não pode ficar professor apanhando na rua, eles estão criminalizando os movimentos sociais e o direito à manifestação. Essa também é uma mobilização nacional, os professores de Goiânia tomaram a Câmara de lá contra a violência que vem acontecendo.
Como o SEPE reage a isso?
Dorotéia: Nós levamos isso na última quarta-feira 09/10 na reunião com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, o que eles estão fazendo é criminalizar a livre manifestação. A ministra se comprometeu a levar isso ao ministro da educação, Aloizio Mercadante a levar a pauta que tem amplitude nacional.
O que o professor pensa dos Black Blocs, grupo que tem comparecido nas manifestações e enfrentado a PM?
Dorotéia: Em várias ocasiões, os Black Blocs foram vistos entrando na frente quando a polícia vem para cima do professor. Nós conversamos com eles quando aparecem na manifestação, falamos que nossos atos são pacíficos.
Se a PM deveria agir pela população e atualmente tem aparecido como opressora, o papel dela fica em aberto para ser ocupado por grupos como os Black Blocs?
Dorotéia: Com eles ali ou não a polícia vem para cima e nós não podemos nos responsabilizar por eles que, fora o confronto com a PM, não interferem nos atos. A manifestação é livre e os estudantes, a sociedade civil estão todos participando, os professores vem dialogando por uma coisa que é a nível nacional, então quando a polícia criminaliza os movimentos sociais mostra despreparo na sua função e fica clara uma crise também na segurança pública.
A luta por uma melhor educação continua no Rio e com apoio de norte a sul do Brasil, onde marchas com motes como ‘um milhão nas ruas de novo’ ou ‘por todo Brasil em apoio aos professores do RJ’ e ‘por uma educação de qualidade’ engrossam as manifestações cariocas, confira o quadro pelo país: Porto Alegre/RS, Pelotas/RS, Curitiba/PR, São Paulo/SP, Macaé/RJ, Belo Horizonte/MG, Goiânia/GO, Anápolis/GO, Brasília/DF, Fortaleza/CE e no Maranhão.
Da Redação da UBES