Camila Lanes começou seu envolvimento com o movimento secundarista, em São José dos Pinhais (PR), junto com o início da década, em 2012. E suas vivências resumem bem a montanha russa que foram estes anos.
Em três frases: era uma vez o sonho dos 10% do PIB brasileiro para a educação. A conquista veio em 2014. E, o golpe que anula a prioridade para educação, em 2016. Isso durante a gestão da paranaense na UBES (2015-2017), que participou da organização de resistência.
Hoje presidenta da UJS (União da Juventude Socialista) no seu estado, Camila reflete sobre estes altos e baixos do contexto nacional. Ao mesmo tempo, o período foi de ocupações, de Primavera Secundarista, de empoderamento feminino, de movimento estudantil vivíssimo.
Mesmo sem ter terminado, esta década já é uma das mais agitadas da história da UBES, que chega aos 70 “aninhos” em julho. Vem relembrar com a gente:
1- Em 2012, os estudantes conquistaram a Lei de Cotas, que passou a garantir 50% das vagas das faculdades e institutos federais para jovens da escola pública. Como isso impactou os secundas desta geração?
Camila Lanes: Esta lei foi uma de várias conquistas para a renovação de esperanças da juventude. Vejo como parte de um ciclo desde 2003. Os resultados da Lei de Cotas são vistos ainda hoje, mesmo com o desgaste e precarização da rede federal no atual governo.
Os resultados são os muitos sonhadores e sonhadoras Brasil afora, que puderam acessar os institutos federais, uma graduação, um curso, tantos deles pela primeira vez em suas famílias.
Isso foi muito muito importante. E representa também a resistência de filhos de trabalhadores e trabalhadoras que lutam por um Brasil e por uma vida melhores.
2- Junho de 2013 foi um dos momentos mais agitados da década. Olhando agora, o que aquilo tudo representou para os estudantes?
Camila: Acho que vai ser uma época muito marcante na lembrança de milhões de brasileiros. Foi um momento de manifestação intensa, quando todo mundo, independente da pauta, estava na rua levantando seu cartaz. A mensagem de “Cadê o Amarildo?” [Amarildo Dias de Souza, pedreiro morto na favela da Rocinha por policiais militares] é uma das que mais reverbera daquele período.
Mas também teve um outro lado, a intensidade com que um movimento conservador ocupou as ruas. Em parte, foi o pontapé para que outras manifestações de direita acontecessem. Nisso tudo o movimento estudantil secundarista foi resistente.
A gente esteve presente, em quantidade e intensidade surpreendentes, em todas as manifestações, com as nossas pautas. E, inclusive depois, continuamos. Alguns foram para as ruas apenas naquele período. Nós nunca saímos delas.
3- Você participou da conquista dos tão sonhados 10% do PIB para a educação, com o Plano de Educação em 2014, e dois anos depois viveu o golpe da “PEC do Fim do Mundo”, que inviabilizou tudo isso ao congelar os gastos federais. O que esta vitória e esta derrota representaram?
Camila: Lutar e acreditar pelos 10% do PIB para a educação, lá no Paraná, quando eu tinha acabado de conhecer a UPES e a UBES, representava um sonho. O movimento secundarista tinha esse tema como pauta principal, uma movimentação muito intensa.
Eu lembro quando estava no Congresso Nacional e de fato foi aprovado este sonho dos movimentos sociais. Foi o momento em que todos entenderam a mensagem mais presente da luta: de que vale à pena.
Depois de alcançar esta meta, depois de conseguir elaborar com o movimento educacional o Plano Nacional de Educação, conseguir sustento e prioridade para a educação pública, os royalties do petróleo para a educação, a gente viu a “PEC do Fim do Mundo” desabando nossas conquistas ao chão. Foi um grande baque para todo mundo. Mas algo que representou muito a ruptura que estávamos passando no contexto nacional: a mudança do governo Dilma para o governo Temer, essa postura de esvaziar todas as políticas públicas já conquistadas.
Foram sinais e respostas para quem ainda tinha dúvida do que seria e a que se prestava o governo Temer. Para o movimento estudantil foi um sinal evidente para a gente se organizar e resistir. O que continuamos fazendo até hoje.
4- Com a “PEC do fim do mundo”, reforma no ensino médio, por exemplo, a educação foi uma das áreas mais atingidas pelo golpe. Por que, na sua opinião, tanto ódio dos golpistas com a área?
Camila: Acho que essa inversão de prioridades se deve muito pelo medo. Quem defende o ensino público de qualidade quer uma escola que inclusive possa ensinar para a classe trabalhadora de onde nós viemos, onde nós estamos e para onde podemos ir.
Formar as pessoas para que não sejam simplesmente jovens que apertam parafusos, mas que também tenham consciência de classe e política no Brasil, é algo que eles temem. Para as pessoas no poder hoje, não é bom que os filhos da classe consigam se formar, tenham sonhos, perspectivas e planos.
Mas estamos aqui dispostos para lutar contra isso. A gente precisa mudar a chave e a disputa de ideias começa dentro das escolas públicas também.
5- O que explica o fato dos secundaristas terem sido os maiores protagonistas no Brasil contra o golpe de 2016, com a ocupação de mais de mil escolas na Primavera Secundarista?
Camila: Desde a sua fundação a UBES luta por um país democrático, soberano e popular. Os estudantes terem se movimentado contra o golpe em 2016, contra a reforma do ensino médio que estava sendo colocada na época, reafirma a postura histórica dos estudantes na defesa de uma nação com instituições fortalecidas, que funcionem em prol da população.
O movimento das ocupações não é algo pequeno e que a gente possa deixar passar com o tempo. Pelo contrário. Tem que ser estudado, tem que ser compreendido. O que move mais de mil escolas a pararem suas atividades em prol de algo maior se não a esperança de um mundo melhor?
6- As ocupações foram um movimento totalmente novo. O que a geração das ocupações ensinou para o Brasil?
Camila: Em primeiro lugar, acho que mostrou para a sociedade em geral a olhar para a escola além da fachada. Muitas vezes, o que tem lá dentro machuca, dói, abandona, em especial quando a questão é opressão, é falta de estrutura, de trabalhadores, falta de perspectiva.
Aquele movimento deixou claro que o cidadão e a cidadã precisam se mobilizar. Sem ser em coletividade, nós não vamos conseguir mudar as coisas.
A geração das ocupações também mostrou para o Brasil que a gente pode sim lutar por algo maior, lutar coletivamente para construir algo novo. Eu vi isso em muitas ocupações por onde passei, em que a galera unida tinha cuidado, recuperado, pensado, amado a escola. Isso destaca que os estudantes não estão aí só para ser a parte inconsequente da sociedade. Nós somos capazes de pensar, fazer e correr atrás. Não só com inconsequência, mas com irreverência.
Aquele movimento deixou claro que o cidadão e a cidadã precisam se mobilizar. Sem ser em coletividade, nós não vamos conseguir mudar as coisas.
7- Em 2010 aconteceu o primeiro encontro de mulheres da UBES, que já vai para a 4º edição. Foi uma década decisiva para a participação das meninas e mulheres na política e no movimento estudantil? Por quê?
Camila: Tanto no movimento estudantil quanto na sociedade, as meninas vêm ocupando cada vez mais espaço. Nas ocupações a gente viu muito disso, muita liderança feminina, a maioria mesmo.
O 4º EME da UBES foi um momento ímpar porque não teve só menina. A gente teve, sim, espaços auto-organizados em que as meninas puderam conversar sobre temas relevantes ao feminismo, mas também teve espaços mistos e, especial, espaço em que só tinha meninos, para debater entre eles e com facilitadoras sobre o machismo e como eles podem superar atos machistas que muitas vezes fazem naturalmente.
Foi muito interessante, isso demonstrou um passo que damos aos poucos para mudar a sociedade. As meninas ocuparem os espaços, eu ser a oitava garota a presidir a UBES, significa que ocupamos cada vez mais espaços e que, com isso, novas necessidades estão sendo criadas. A Primavera Secundarista é só o começo da nossa revolução.
“A Primavera Secundarista é só o começo da nossa revolução.”