Rede Globo. Horário nobre. Jornal Nacional. A reportagem mostra vários jovens na Assembleia Legislativa de São Paulo apanhando muito, com cassetada, gás e spray de pimenta da Polícia Militar. Protestavam contra o governador Tarcísio de Freitas e seu projeto de criação das escolas cívico-militares no estado. E de repente seu Adriano e dona Janete, no sofá de casa, em Campos dos Goytacazes (RJ), enxergam nas imagens o seu menino Hugo levando porrete na costela e a fúria covarde da polícia de São Paulo contra aqueles estudantes. Não era exatamente isso que imaginaram quando Hugo sentou os dois no mesmo sofá, há dois anos, e disse que ia entrar pra UBES, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e mudar de cidade.
Mas neste domingo, 16 de junho de 2024, o pai e a mãe de Hugo Silva, 20 anos, aluno do Instituto Federal de São Paulo, viram uma cena bem mais emocionante. Em um ginásio lotado, com milhares de jovens de todos os estados do país, ele foi eleito o novo presidente da UBES, com a missão de representar oficialmente os mais de 40 milhões de estudantes brasileiros do ensino fundamental, médio, técnico e preparatório. Tudo foi muito rápido para Hugo, com seu histórico de timidez na infância, seu sorriso gentil e uma postura doce ou quase acanhada de quem já foi apenas o nerd bonzinho das primeiras carteiras da sala de aula. Parecia que seria “só mais um Silva”, como diz a letra do “Rap do Silva”, um dos funks mais famosos da história do Rio. Mas os ventos mudaram bastante.
Nascido e criado na região de Uruaí, periferia simples de Campos dos Goytacazes, ele se interessou por política pela primeira vez em 2018, quando mudou de escola e entrou para o grupo de Whatsapp da galera. Naquele ano, aos 16, viveu intensamente o noticiário e os debates sobre acontecimentos como o assassinato de Marielle Franco, a prisão de Lula, a eleição de Bolsonaro. Inteligente, questionador e curioso, aproximou-se do grêmio da escola. Em pouco tempo já era presidente da entidade. Em 2019, conheceu mais de perto a UBES participando de um ENET – Encontro Nacional de Escolas Técnicas. Em 2020, já estava atuando no coração do movimento secundarista brasileiro. Mas veio a pandemia. Hugo Silva então acabou fazendo parte da valiosa geração de jovens da UBES que fizeram a luta da entidade no momento mais difícil da história recente do Brasil, com a crise das escolas fechadas e da enorme dificuldade para garantir o ensino online nas redes de ensino de norte a sul.
Hugo criou a campanha “Celular pra quem precisa”, reivindicando que os estudantes pobres, das escolas públicas tivessem as mesmas condições tecnológica dos mais ricos para continuar estudando de forma remota durante a pandemia. Também conseguiu se reunir com o secretário de Educação do Rio de Janeiro e convencê-lo de abrir as escolas, especificamente, para servir a merenda escolar aos estudantes que estavam em situação de miséria no período do isolamento social. Durante esses dois anos, a militância da UBES nem mesmo chegou a se conhecer pessoalmente. Toda a luta era feita de forma online, pelos grupos de aplicativos, emails, videoconferências. Mas quando a normalidade voltou, em 2022, ele foi imediatamente escolhido para ser o Diretor de Escolas Técnicas da UBES, cargo que exerceu durante toda a última gestão da entidade. Hugo organizou o maior Encontro de Escolas Técnicas da UBES, no ano passado e ajudou o movimento a retomar a sua mobilização. Tornou-se o grande nome para assumir a presidência da entidade e agora prepara-se para o que vem por aí.
“Nossa maior batalha nesse momento é contra os governadores que querem destruir e privatizar a educação aos poucos no Brasil, como estratégia de política para a extrema direita. É assim com o Tarcísio em São Paulo, com o Ratinho Jr no Paraná, com o Cláudio Castro no Rio. Por isso inventam esses projetos sem fundamento nenhum como o das escolas cívico-militares, por isso a direita fica trazendo temas como banheiro Unisex nas escolas, a tal Escola Sem Partido, etc”, afirma o novo presidente da UBES. Além disso, ele defende o posicionamento firme da entidade nas ruas contra o projeto do Novo Ensino Médio, herança dos últimos governos no Brasil e tema de disputa atualmente no governo Lula e no Ministério da Educação. “Não dá pra aceitar que a escola pública perca matérias como a Sociologia e a Filosofia pra colocar no lugar outras como preparação de bolo no pote, marketing pessoal pro Tik Tok, etc. Inventaram uma mentira de que isso é ensinar empreendedorismo pra juventude, mas na verdade é só pra diminuir a qualidade da educação dos mais pobres. Porque os mais ricos podem pagar pra ter o ensino adequado das outras disciplinas e continuar entrando nas universidades e passando no Enem”, critica.
Hugo promete voltar a mobilizar a UBES com toda força nas ruas, ainda que a entidade esteja no mesmo campo político do governo Lula. “Não podemos ter medo de pressionar, de protestar, isso não quer dizer que estamos enfraquecendo o governo, pelo contrário, estamos é mostrando a pressão popular nesses temas que não concordamos”, afirma. Sem medo de novas cassetadas, como aquelas da Assembleia em São Paulo, ele segue sorrindo com a simpatia que a vida em Uruaí lhe deu. Quase sempre calmo e feliz, com 50 primos na família e milhares de amigos pelo Brasil, tentará conciliar a vida agitada do movimento estudantil com a sua rotina comum de estudante brasileiro. Fã de Anitta, Ludmila, Bonde das Maravilhas e outras pérolas do funk do Rio de Janeiro, ele anuncia que vai manter a alegria da família Silva como arma secreta contra a raiva dos caretas e contra a violência dos covardes.