10 anos da lei 10.639 e a luta permanente na construção de uma escola antirracista.
Foto: Natália Assueiro
Artigo por Roberta Pontes
Tesoureira da UBES
No passado recente, o povo negro, submetido à escravidão, enfrentou inúmeras lutas pela liberdade. Naquela época, os quilombos desempenhavam um papel social crucial, servindo como refúgio e espaço de acolhimento, educação e resistência, tanto para negros quanto para não negros. Eram lugares seguros, onde se podia escapar das opressões e violências do sistema escravocrata no Brasil, conectando-se com a concepção de liberdade, com a prática da cultura, a vida em comunidade e a segurança.
Lideranças como Dandara e Zumbi dos Palmares foram fundamentais nessa luta, responsáveis por grandes quilombos, onde se cultivava a solidariedade e a cultura
afro-brasileira. O Quilombo dos Palmares, por exemplo, era um centro de resistência que promovia práticas de autossuficiência e vivência em comunidade.
Hoje, o Brasil abriga cerca de 5.000 comunidades quilombolas que seguem lutando por direitos fundamentais, como moradia, educação e saúde. A forma como o povo quilombola se organiza e se relaciona mostra a importância da educação antirracista em nossas escolas, construída em conexão com as comunidades quilombolas e indígenas. Se não forem eles, quem nos ensinará sobre a história do Brasil, do povo negro e indígena? A educação antirracista é, portanto, inseparável da luta desses povos.
Construir uma escola antirracista é um desafio que o Brasil enfrenta desde muito antes a promulgação da Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura
afro-brasileira e indígena nas escolas. Contudo, essa conquista ainda esbarra em problemas estruturais na educação. Em muitos cursos de licenciatura, como pedagogia, as questões das relações étnico-raciais são abordadas, mas, por falta de formação continuada, os professores saem das universidades sem saber como tratar o tema. O conhecimento permanece, então, restrito às universidades e não chega às salas de aula brasileiras.
Compreender o papel social dos quilombos e as raízes da educação brasileira nos faz perceber o quanto ainda precisamos avançar. A relação entre quilombos e educação deve ser revisitada, pois não podemos pensar em uma educação antirracista sem considerar o território. Nem todo mundo que mora estuda, mas todos que estudam moram em algum lugar. Embora tenhamos progredido em diversas questões, os desafios estruturais permanecem. É essencial conectar a escola ao território, reconhecendo o papel das instituições educacionais em suas comunidades.
Em várias comunidades do Brasil, encontramos hoje um elo que relaciona a escola ao território: as batalhas de rima. Esses eventos não apenas promovem a resistência e o aprendizado das histórias e culturas locais, mas também fortalecem as comunidades de cultura popular, ultrapassando os muros das escolas e funcionando como uma ponte entre território e educação.
Assim como os quilombos eram perseguidos pelo sistema escravocrata, as batalhas de rima também enfrentam repressão de um sistema que teme sua função social de educar e
conscientizar sobre questões de classe, gênero e raça. Não à toa, as batalhas são alvo de violência policial, que se manifesta de forma dura e cruel. A cada “baculejo”, o sistema deixa claro que sabe o que estamos fazendo e tenta nos parar.
As batalhas de rima tornaram-se movimentos significativos nas escolas e periferias, criando ecossistemas culturais que promovem a cultura afro-brasileira e indígena. Observando a construção das batalhas, percebemos o papel fundamental que elas desempenham na educação antirracista, promovendo um diálogo cultural entre o território e a escola.
A Batalha da Várzea, em Recife, é um exemplo dessa conexão: envolve estudantes da Universidade Federal de Pernambuco, escolas do entorno e o próprio território. Tanto que foi reconhecida e homenageada pela Câmara Municipal do Recife, por sua contribuição para a cultura do Hip Hop. Outro exemplo é a batalha do Ibura, na Praça do UR1, onde a maioria dos participantes são estudantes secundaristas, movimentando a juventude do bairro.
É urgente desenvolver estratégias para criar uma escola antirracista inspirada por essas práticas. Programas que incentivem a implementação da Lei 11.645/2008 podem servir como elo entre escola, cultura e território. Assim, avançamos em direção a uma educação antirracista que transforme o ambiente escolar e impacte positivamente o território, reacendendo a conexão do nosso povo com sua cultura e história. Como os quilombos cumpriam esse papel no passado, nossas escolas precisam tornar-se espaços de resistência e luta pela liberdade, permitindo que nosso próprio povo conheça e valorize sua história.