Por: Maria Demétrio, Diretora de Mulheres da UBES
O ambiente escolar, que deveria ser um espaço de formação cidadã, de pensamento crítico e de liberdade, tem sido cada vez mais marcado pelo avanço de discursos conservadores, autoritários e opressores. Nos últimos anos, com o fortalecimento da extrema-direita no Brasil, testemunhamos o crescimento de valores que promovem a intolerância, o machismo, a homofobia e outras formas de violência psicológica e física dentro das instituições de ensino. Essa realidade se faz presente de maneira concreta nas salas de aula, nos corredores e nos espaços comuns, transformando o que deveria ser um lugar de aprendizado e formação humana em um território marcado por diferentes formas de opressão na vida dos e das estudantes.
A União Brasileira dos e das Estudantes Secundaristas (UBES) tem sido constantemente acionada por denúncias de assédio moral e sexual, perseguições ideológicas, censura e outras violências que se alastram pelas escolas em diversos estados do país. Diante disso, é urgente reafirmar: a escola precisa ser um território feminista e livre de violências, onde os e as estudantes possam se descobrir como sujeitos de suas próprias vidas, acolhidos com suas cores, histórias e diferentes realidades.
A educação tem sido, historicamente, um dos principais alvos da extrema-direita, vítima de um desmonte que atravessa décadas. A tentativa de deslegitimar o pensamento crítico e a empatia com a diversidade presente em cada território, os ataques constantes a professores e professoras que promovem o debate necessário sobre temas como raça, classe, gênero e sexualidade revelam uma estratégia clara de dominação. Querem que o povo tenha medo de pensar e de debater. Em nome de uma falsa neutralidade ou de supostos valores, tentam silenciar discussões fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e segura para todas as pessoas.
Na prática, isso se manifesta na repressão a projetos pedagógicos voltados para os direitos humanos, no desmonte de políticas de inclusão e na perseguição a estudantes e educadores que levantam bandeiras feministas, antirracistas e LGBT. O conservadorismo, que antes circulava de forma velada, agora se impõe com agressividade e apoio institucional. Hoje, ele agride nossos corpos de forma direta, em qualquer lugar.
As violências que atravessam as instituições de ensino são reflexo direto das estruturas da nossa sociedade. As escolas têm sido palco de abuso de poder, machismo, misoginia e violência de gênero. Na maioria das vezes, as denúncias são silenciadas, as vítimas são culpabilizadas e expostas. Isso tem contribuído para o aumento da evasão escolar e para o adoecimento da juventude. A falta de preparo das gestões pedagógicas atinge também professores e professoras que tentam acolher e proteger os estudantes, que tentam manter viva a dimensão formadora e transformadora que a escola deveria ter.
É urgente que todas as pessoas que compõem a escola, direção, funcionários, educadores e educadoras, passem por formações contínuas sobre gênero, raça e classe. A ausência de uma educação libertadora alimenta o surgimento de uma geração de opressores e empurra outra geração a se esconder para sobreviver.
Lutar por territórios feministas nas escolas não é apenas defender a segurança de estudantes e professoras. É construir um novo projeto de educação: uma escola que forme sujeitos críticos, conscientes de seus direitos, capazes de transformar a realidade e de não reproduzir as mesmas violências que tentamos combater. Uma escola que contribua para o desmantelamento do sistema patriarcal que, há séculos, tenta nos excluir de espaços que sempre foram nossos por direito.
Essa transformação exige o fortalecimento dos grêmios estudantis, dos coletivos feministas, dos projetos pedagógicos antidiscriminatórios e a criação de espaços reais de escuta e acolhimento. Também exige uma postura ativa do Estado, com políticas públicas eficazes que garantam dignidade e proteção aos e às estudantes.
Mas será que é possível construir uma escola verdadeiramente livre de violências? Eu arrisco dizer que sim. Como disse Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres: “É preciso radicalizar a luta para ampliar os horizontes do possível.” Seremos nós a ampliar esses horizontes. Para isso, é necessário garantir a atuação cotidiana dos grêmios estudantis, exigir das gestões escolares um compromisso com a segurança e o bem-estar de todos e todas, e enfrentar com seriedade os casos de violência que continuam sendo ignorados ou tratados com descaso.
Defender uma escola livre é defender a democracia. É permitir que a juventude desenvolva pensamento crítico e possa sonhar coletivamente com o mundo que deseja construir. Uma escola feminista não é uma escola só para mulheres, é uma escola para todos. Um mundo que funciona para as mulheres funciona para todo mundo.
Que cada escola seja um território de liberdade, onde meninas, jovens negros, indígenas, LGBT e todos os corpos historicamente oprimidos possam existir, resistir e florescer. Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!