Todo mundo aqui já viu de perto a cara da homofobia. A maioria sofreu bullying sistemático. Alguns levaram porrada na rua. Mas ninguém quer falar só sobre isso. Símbolos de uma nova era do movimento gay, os 60 alunos da Escola Jovem LGBT, em Campinas (SP), primeira do gênero no país, se sentem mais à vontade com sua sexualidade que qualquer geração anterior. E, beneficiados pelas conquistas desta década – união civil e direito à adoção reconhecidos na Justiça, paradas do orgulho para milhões -, não pedem aceitação. Já se sentem integrados.
Lançado no início do ano, o centro de estudos extracurriculares – não, não se trata de Matemática ou Química sob o ponto de vista homossexual – logo atraiu centenas de interessados, uma esmagadora maioria de adolescentes gays, lésbicas e transgêneros fora do armário. Alheios às críticas de que a escola formava um gueto, eles embarcaram na viagem do casal Deco Ribeiro, 37 anos, professor; e Lohren Beauty, 22, drag queen. Os dois foram beneficiados com uma verba de R$ 60 mil anuais do projeto Ponto de Cultural, parceria do governo paulista com a União, e montaram tudo dentro de casa.
Depois de alguns dias de seletivas, 60 alunos foram aprovados para as quatro disciplinas – web TV, fanzine, canto e dança. Os encontros rolam às quartas e sábados. Ninguém paga nada.
Para os meninos e meninas que frequentam o espaço, a sensação de estar entre semelhantes faz toda a diferença. Gírias gays dominam os papos, todo mundo fala de namorados e ficantes sem trocar o gênero, e ninguém precisa segurar a pinta (os trejeitos). Na hora do intervalo, um garoto puxa de brincadeira o cabelo da colega (“Vamos nos vingar, gente, bullying na hétero já!!”). Todo mundo ri.
Aluna de dança e fanzine, Winnie Fernanda da Silva, de 16 anos, destaca o clima positivo. Nada de discursos amargos:
– Aqui se fala muito sobre a questão da sexualidade, é claro, rola uma conscientização… Mas todo mundo tem uma atitude para cima. Adoro estar entre gente que foge da mesmice.
O que ela não sabe é que, mesmo sem participar do movimento gay tradicional, esses adolescentes estão, sim, fazendo política:
– Eu me monto (de drag) desde os 14, faço shows em matinês e ando assim na rua. Não é para chocar. É para as pessoas se acostumarem – diz Vinícius Saraiva Soares, de 17 anos, aluno de zine e dança que adotou o nome de Saraivetty. – Quando ponho um vídeo no YouTube ou apareço na TV, porque já fui até ao Ratinho (risos), aviso no colégio. Quando pego um ônibus montado, brinco com o cobrador. Melhor que tentar parecer homenzinho. Assim não me zoam. Vão dizer o quê?
Bicha, veado, boiola e outros xingamentos são, para eles, formas de tratamento. A ofensa é subvertida em zoação.
– Se alguém grita “bicha!”, todo mundo olha – ri Leandro Ochialini, de 19 anos, professor de dança. – Quem é drag é tratada como drag, cada um escolhe sua identidade. Aqui ninguém precisa fingir. Tive uma infância massacrada, me chamavam de veadinho, me batiam. Nem acredito no quanto evoluímos. Hoje os adolescentes têm modelos gays, como Dimmy Kieer (o Dicesar, do “BBB 10”).
A exemplo dos outros cinco professores da escola, Leandro se mantém com uma ajuda de custo simbólica – R$ 3 mil pelo ano todo. Pouco, mas o suficiente para tirar das ruas a travesti Bruna, de 20 anos, exigente instrutora de balé do projeto.
– Aos 12 anos, fui expulsa de um curso de dança para meninos por ser afeminada. Aqui a história é outra; a gente acolhe – diz. – Nunca tive apoio de família ou escola, caí na prostituição. Sofri exploração, apanhei de cafetina… Hoje minha missão é ajudar outras travestis. Chega de sermos condenadas a uma imagem de violência, exploração e vulgaridade.
Não vai ser um trabalho fácil. Se a relação com os vizinhos é, em geral, boa, ainda rola intolerância. Recentemente, a diretora Lohren foi abordada no ônibus por uma mulher que se dizia diretora de um colégio. Começou um bate-boca:
– Ela falou que eu estava sujando a palavra escola, que deveria me envergonhar. Envergonhar de quê? De estender a mão a adolescentes sem apoio para lidar com sua sexualidade numa sociedade tão conservadora? Se você é um menino negro ou judeu, e sofre preconceito na rua, corre para seus pais negros ou judeus… E o gay? Agora o gay tem para onde correr.
FONTE: O GLOBO