Leia artigo do Secretário da OCLAE sobre 40 anos do golpe militar no Chile
A eleição de Salvador Allende nos anos 70 representou um marco histórico no cenário político, ideológico e porque não dizer teórico da luta transformadora e revolucionária do século XX. Hoje, 40 anos depois a memória de Allende segue viva nas lutas dos estudantes chilenos e latino-americanos por democracia, liberdade e educação pública e de qualidade.
A eleição de Allende foi um fato inusitado. Até então era inadmissível conceber a eleição de um governo socialista e um processo revolucionário a partir do processo eleitoral burguês. Tanto foi o impacto desse processo que Fidel em visita ao Chile nesse período estendeu sua agenda e permaneceu por um mês no Chile. E, antes de ir afirmou que Salvador Allende era um companheiro que, por outros meios, lutava pelo mesmo que ele. Atílio Borón, cientista político argentino, disse que ao ir para o Chile em 1970 concluiu que os trabalhadores eram comunistas ao deparar-se com um profundo processo de mobilização de massas aonde os trabalhadores iam às ruas carregando suas bandeiras vermelhas. Assim, o curto período de 3 anos em que Allende governou o Chile foram de profunda intensidade política e processo de conscientização do povo. Ainda, esses anos foram marcados por uma efervescência democrática e cultural resplandecente e de fortalecimento da soberania chilena tendo como seu ponto alto o processo de nacionalização do cobre e a criação da Universidade Técnica do Estado (UTE), hoje Universidade de Santiago de Chile.
Da mesma forma atualmente o Chile vive um processo político muito intenso. Há pouco tempo quando estive em Santiago fomos visitar uma escola fechada pelo governo de uma comuna desta cidade. Ali conversamos com uma menina de não mais que 10 anos e perguntamos a ela o que ela teria para dizer ao governante. A resposta dela foi dizer que abra a escola novamente pois ele não podia tirar algo que era dela. Essa simples resposta revela um conteúdo muito profundo. Apresenta a consciência que aquilo que é público é propriedade de todos e que aquela escola não é parte de algo externo onde ela se acopla a cada dia que vai a aula, mas sim que é parte da sua identidade e elemento da sua formação como ser humano. Esse processo de conscientização teve seu ponto alto nas mobilizações estudantis de 2011 que iniciaram questionando o caráter mercantil da educação chilena e se tornaram em um processo de luta por um projeto de país. O impacto das mobilizações estudantis iniciadas em 2011 é tão forte que nas eleições previstas para novembro desse ano a resposta ao tema da mercantilização da educação é obrigatória por parte de todos que postulam cargos eletivos. Além disso, o impacto das mobilizações estudantis não é somente na sociedade chilena.
Na América Latina foi possível desconstruir o modelo chileno de educação que servia de referência para muitos países. Ao mesmo tempo o movimento político inaugurado com as multidões de estudantes que foram as ruas se tornou em um grande processo de questionamento do próprio modelo econômico e social do Chile. Em uma sociedade totalmente mercantilizada em que o endividamento familiar se tornou um problema nacional os chilenos pedem outro modelo de desenvolvimento com democracia, tendo em conta que a atual constituição é a mesma do período ditatorial.
Allende e as lutas pela América Latina
O atual momento vivido pela América Latina é muito especial para as lutas de todos os povos do continente. A revolução bolivariana deu nova vida ao processo e a memória de Salvador Allende. Esse processo revolucionário impulsionado a partir do processo eleitoral sustentado por uma forte ferramenta política, o povo organizado e mobilizado e camadas das forças armadas atualizou a experiência de Allende.
A partir desse processo liderado por Chavez um conjunto de governos progressistas, transformadores, democráticos e populares foram eleitos nos países da região como consequência da luta dos movimentos sociais de resistência ao neoliberalismo. Assim, as lutas por democracia, por soberania, por direitos sociais vêm ganhando muita força. As ruas de toda a América Latina a cada dia se enchem mais de homens, mulheres, jovens, trabalhadores, lutadoras e lutadores reivindicando por transformações profundas na sociedade. Não somente no Chile, mas no Brasil, Uruguai, Peru, Equador, Honduras e Colômbia.
Nesses países o povo reivindica mais democracia, educação pública, gratuita e de qualidade, soberania, justiça social, etc. Em especial na Colômbia, essa luta se apresenta ainda mais dura. Supostamente sem ter em sua história um governo militar, com 9 bases militares dos EUA a Colômbia se configura como o pivô da dominação imperialista sobre a América Latina. Com um conflito social e armado que já dura quase 60 anos fruto das profundas desigualdades sociais e da repressão aos lutadores desse país os movimentos sociais colombianos lograram dar visibilidade a sua luta. Aquilo que os meios de comunicação buscam filtrar tentando passar a imagem de que tudo é narcotráfico os movimentos sociais conseguiram romper.
Os movimentos sociais colombianos conseguiram denunciar a ditadura sob a qual vivem. Assim, a Colômbia é um país onde os governos supostamente democráticos já assassinaram mais que muitas das ditaduras militares da América Latina. Há alguns anos foi encontrada a maior fossa comum de toda a América Latina localizada na região da Macarena, na região de Meta com líderes camponeses assassinados, no período em que Uribe era presidente, enquadrados como supostos guerrilheiros e narcotraficantes. Os movimentos sociais da Colômbia conseguiram denunciar o vínculo do próprio Estado com Paramilitares. Um exemplo foi o jornal titulado Voz que foi vitima de uma tentativa de atentado onde paramilitares instalaram uma bomba de uso exclusivo da força aérea da Colômbia (foto), com capacidade para explodir um quarteirão inteiro, em frente à sede do jornal que falhou ao ser acionada. Por denunciar isso o Jornal Voz recebeu um prêmio de direitos humanos em Oslo, Noruega. Os movimentos sociais colombianos denunciam a falta total de liberdade que obriga a lideres sociais andarem permanentemente com escoltas devido às ameaças e atentados cometidos contra essas pessoas.
Esse Estado militarizado se esquece das políticas sociais e a desigualdade social ainda é brutal. Um exemplo recente foi a luta contra as mudanças na lei de educação superior da Colômbia que acabaria com a gratuidade do sistema público. Atualmente o conflito está na região de Catatumbo onde a repressão aos camponeses mobilizados é brutal. Esse processo desencadeou uma paralisação nacional dos camponeses e demais movimentos sociais. Assim, após quase 60 anos de conflito social e armado, os motivos pelos quais este se originou seguem presentes na sociedade colombiana. Ainda assim, colombianas e colombianos enchem as ruas de coragem e energia sem tirar por um só minuto seu sorriso do rosto nem perder sua alegria.
É por isso que a memória de Allende na luta por uma sociedade democrática, soberana e com justiça social segue viva em toda a América Latina 40 anos depois. Que a luta dos estudantes chilenos, da juventude brasileira e a coragem do povo colombiano seja a força motriz dessa luta. Pensando no futuro e sem revanchismo, não devemos esquecer todos aqueles que deram suas vidas por uma América Latina livre, democrática, unida e soberana. Por isso, em memória desse companheiro presidente devemos dizer:
Por Salvador Allende
Nem um minuto de silêncio,
Toda uma vida de combate!!
“Porque el que murió peleando
Vive en cada compañero!” Los Olimareños
Salvador Allende vive!
* Mateus Fiorentini é Secretário Executivo da OCLAE – Organização Continental Latino-americana e Caribenha de Estudantes.