“Os meus meninos tomaram a minha cozinha, tão usando as minhas panelas”, debocha Val, através das grades da Escola Estadual Caetano de Campos, no bairro da Aclimação, região central da capital paulista. Nesta terça-feira 24, completa sete dias que Val não bota os pés na sua cozinha. “Sinto falta. Fico sem fazer nada em casa. A gente se diverte muito com os meninos aqui”, conta a cozinheira da escola.
Há uma semana, os estudantes do mais antigo e tradicional colégio da cidade — fundado em 1848, durante o Império — ocupam a unidade contra a reorganização escolar anunciada pelo governo de São Paulo. A instituição foi a primeira da região central a ser ocupada; já são pelo menos 160 ocupações no Estado. (Confira a lista de escolas ocupadas).
Hoje, quem está pilotando os fogões desde então é o aluno do 3o ano do Ensino Médio Hugo Bittencourt, de 18 anos. O jovem prepara três refeições diárias ao lado de sete ajudantes e uma sous chef, Raiane. “Aprendi a cozinhar com a minha mãe e sozinho, assistindo vídeos na internet”, conta o tímido Hugo, do alto de seus 1,90 metro de altura.
Quando chegamos à cozinha, haviam acabado de finalizar um doce de banana. “Receita da minha avó”, revela. Hugo pretende prestar gastronomia no vestibular do próximo ano e sonha em abrir um restaurante de culinária japonesa. “Ainda não aprendi a cortar sushi mas gosto muito de comer”, confessa.
A dispensa está repleta de sacos de arroz, feijão e macarrão, além de galões de água e óleo para cozinhar. Os estudantes tem contado com o forte apoio de pais e professores na compra de alimentos e materiais de limpeza e higiene pessoal, além de colchões, cobertores e barracas para dormir. (Saiba como doar aqui)
Na manhã desta terça-feira, o vendedor Sidney Cunha, de 50 anos, estava fazendo a sua segunda visita à ocupação. Ele trazia à tiracolo pacotes de papel higiênico. O seu filho, Rafael Castro, é o vice-presidente do Grêmio Estudantil. “Ele não me atende, vim ver como ele está”, repreende o pai.
O pai discorda de todo o processo de reorganização escolar promovido pelo governador Geraldo Alckmin, que pretende fechar 94 escolas em todo o Estado. “O Alckmin toma uma atitude sem perguntar nada pra ninguém, sem conversar. Eu sou contra o governo, contra a ocupação, mas apoio o meu filho. Eu sempre o ensinei a lutar pelos seus ideais e, se o ideal dele é esse, estamos na luta”, afirma.
Integrante do grêmio há cinco anos, Rafael enxerga na organização dos estudantes e, principalmente neste período de ocupação, um aprendizado político muito importante. “O grêmio e a ocupação politizaram toda a escola, nos deram mais responsabilidade”, avalia.
Entre jovens andando de bicicleta, jogando bola, dançando funk e até estudando flauta, Dinho Luiz, aluno do 2o ano do Ensino Médio, documentou toda a nossa passagem pela escola. Aprendiz de fotografia, ele enxerga na ocupação um meio de politização de todos os estudantes. “Eu ajudo na limpeza, no jardim, lavo a louça, faço cartaz. No início foi bagunçado e depois nos organizamos. Nos reunimos diariamente para dividir as tarefas. A ocupação politizou tudo, aprendemos mais sobre política, a cuidar do que é seu, limpar a sua sujeira”, avalia Dinho.
Todas as noites, os estudantes realizam assembleias para tomar decisões em conjunto e organizar os afazeres diários da ocupação, como limpeza, alimentação, comunicação e a agenda diária de atividades. “Estamos aprendendo muito com as oficinas, o pessoal está adorando”, conta Juliana Esparza, 16 anos, responsável pela programação.
Diversas organizações e pessoas já doaram oficinas e aulas para a ocupação, como de Parkour, fotografia, literatura e teatro. O professor da Universidade de São Paulo Wagner Iglesias contribuiu com uma aula sobre o panorama politico na América Latina. Está programado para os próximos dias temas como as ocupações das escolas na mídia, auto-organização dos movimentos sociais, resistência não-violenta e feminismo.
Segundo Juliana, a ocupação está possibilitando um novo tipo de convívio e experiência dos alunos no ambiente escolar. “Tem pessoas aqui que eu não falava tanto, que eu não sabia das habilidades e agora estamos numa só família. A ocupação está bem mais legal do que a escola no dia a dia”, diverte-se.
O professor de história da escola Luís Armando, que está auxiliando os alunos desde o início, vê no empoderamento e na capacidade de auto-organização dos estudantes as principais conquistas deste movimento. “O Herman [Voorwald, secretário de Educação de São Paulo] conseguiu fazer o que gerações não conseguiram”, avalia.
Para o presidente do Grêmio Estudantil, Brian Aftimus, o passado de luta da Caetano de Campos possibilitaram o engajamento da atual geração. “A Caetano tem esse espírito, de estar sempre na vanguarda, que vem dos antigos estudantes. Às vezes, as pessoas nem sabem dessa história, mas sentem”, reflete o líder estudantil.