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“Criminalizar o funk é criminalizar o jovem preto, pobre e da periferia”

Seja nos fluxos de rua ou nos bailes da classe média, jovens de todo o Brasil descem e sobem ao som do pancadão. Porém, engana-se quem pensa que o funk se limita apenas ao lazer e entretenimento da moçada. Hoje, o batuque oriundo da Cultura negra significa empoderamento e geração de renda para centenas de minas, manos e monas.

A Liga do Funk, por exemplo, surgiu em 2012, a partir da necessidade social de profissionalizar jovens talentos. Desde então, o projeto já transformou a vida de 50 mil funkeiros e funkeiras de São Paulo. Com aulas de dança, canto, performance de palco e outras atividades, a Liga do Funk cumpre o papel do Estado ao promover cultura e conhecimento a meninos e meninas das periferias, oferecendo uma realidade alternativa, onde existe arte, cultura, aprendizagem e emprego.

O site da UBES conversou com o vice-presidente da Liga do Funk, Bruno Ramos, que mandou seu papo reto no debate sobre “Cultura e Movimento Estudantil” organizado pelo 16º Conselho Nacional de Entidades Gerais (Coneg). Confira!


UBES: Dá para perceber que você é muito querido pelos estudantes. Depois do debate, vários jovens vieram abraçá-lo e tirar uma casquinha. A que se deve isso?

Bruno Ramos: Eu represento uma linguagem que fala diretamente com os jovens, que representa o que eles sentem e vivem. O funk é essa representatividade periférica e aqui [no Coneg da UBES] tem muito jovem da periferia. Fico emocionado em ver essa molecada com todo esse discurso de fortalecimento das políticas que são importantes para nós, os filhos dos ricos não conseguem nem esquentar o próprio café. Ser querido por eles é sinal de que estamos muito próximos da mesma realidade, também sou de quebrada, da zona leste de Sampa, e fico lisonjeado com todo esse amor.

“Eu represento uma linguagem que fala diretamente com os jovens, que representa o que eles sentem e vivem.”

UBES: Nós estamos em um espaço de discussão política, no 16º Conselho de Entidades Gerais da UBES. De qual forma o funk e a política se misturam?

Bruno Ramos: Tudo o que acontece dentro do funk é uma expressão política, mas esse engajamento da Liga do Funk para disputar um espaço dentro da política é novo. Hoje nós temos uma proposta para além da formação artística. Agora, nós nos preocupamos também com a cidadania, em defender, entender, potencializar, educar e dar oportunidade para o jovem da comunidade, para que um dia o funk seja uma ferramenta de erradicação da pobreza.

UBES: Na prática, como o funk e a Liga contribuem com a educação?

Bruno Ramos: Nós acabamos de receber 20 jovens para conviver com toda a estrutura da Liga durante um mês, no curso de comunicação. O segundo edital que abriremos para essa convivência será de produção cultural e o terceiro, até dezembro, sobre formação artística e cidadania.

UBES: Forças conservadoras vêm tentando criminalizar o funk. Como a Liga tem encarado esses projetos?

Bruno Ramos: A criminalização parte principalmente da própria sociedade. O tema será debatido no Congresso Nacional, a partir de um projeto de lei apresentado por um empresário que saiu da periferia. Eu acho que ele precisa de ajuda, uma vez que ele tenta associar um monte de loucuras a um estilo musical. A estratégia que nós estamos seguindo é a de ocupar os espaços de fala pelos veículos de mídia alternativos, para explicar, sem agressão, que o funk potencializa o jovem da periferia.

UBES: Criminalizar o funk também é criminalizar a juventude? Por quê?
Bruno Ramos: Criminalizar o funk é criminalizar o jovem preto, pobre e da periferia. Essa criminalização é anticonstitucional, já que o artigo 5º defende a liberdade de expressão, e nós temos o direito de falar o que pensamos. O que mais me incomoda é que novamente essa tentativa só parte dos conservadores, na tentativa de destruir um movimento que é de periferia, que surgiu numa forma de entretenimento e distração onde não existe lazer. Assim como aconteceu com o samba, com o hip hop e a capoeira, todos os movimentos negros no mundo sofrem perseguição.

“Assim como aconteceu com o samba, com o hip hop e a capoeira, todos os movimentos negros no mundo sofrem perseguição.”

UBES: Costumam dizer que os bailes funks, principalmente os realizados nas ruas, expõem os jovens à pedofilia, drogas, estupros, etc. O que você e a Liga pensam disso?

Bruno Ramos: A vulnerabilidade dos jovens nas ruas não é responsabilidade do movimento funk, pelo contrário, o movimento funk tem agregado possibilidades de ganhos justos e honestos para esses jovens que estão inseridos próximos ao mundo do crime. Pedofilia, drogas e estupros acontecem pela falta de políticas públicas dentro da comunidade e a fragilidade do Estado em cuidar das nossas crianças. É muito fácil empurrar essa sujeira para debaixo do nosso tapete, excluindo a responsabilidade do poder público. Se o Estado tivesse vontade de fortalecer a nossa cultura, criaria locais adequados para os adolescentes curtirem os bailes, com segurança, e a segurança que eu falo não é armada, é com a estrutura de banheiros químicos, acompanhamento de ambulâncias, eletricistas e espaços para os shows. O sistema foge dessa responsabilidade.

“Pedofilia, drogas e estupros acontecem pela falta de políticas públicas dentro da comunidade e a fragilidade do Estado em cuidar das nossas crianças. É muito fácil empurrar essa sujeira para debaixo do nosso tapete.”

UBES: A UBES acabou de realizar o seu 4º Encontro de Mulheres. Uma das críticas ao funk é ser um ritmo machista. Como vê essa questão?

Bruno Ramos: O funk é o reflexo do que a sociedade vive e pensa, se tem uma demanda procurando e consumindo esse estilo é porque a sociedade de fato gosta das letras. O que é colocado dentro das letras é uma outra discussão, é a questão da homofobia, do machismo…. Eu como funkeiro não me sinto confortável com isso, mas me sinto no papel, como liderança à frente da Liga do Funk, em conscientizar sobre os danos que algumas letras trazem para a sociedade.

UBES: Mas há espaço para o feminismo na liga do funk?

Bruno Ramos: A Liga do Funk é composta majoritariamente por mulheres e gays. A nossa diretora de mulheres, Andressa Oliveira, é preta, da quebrada, e curte muito funk. Ela, junto com a Débora Hellen, assumem o debate sobre feminismo e têm a paciência de nos explicar o que elas sofrem no dia a dia. Se elas não tentarem nos fazer entender e compartilhar da opressão a qual sofrem, eu, como homem, nunca vou entender, ou seja, elas são uma ponte para alguns caras que têm algum tipo de resistência e não conseguem compreender as mulheres, infelizmente. Eu sou um machista em processo de desconstrução, e quando eu falo que sou machista não é motivo de orgulho. O primeiro passo é reconhecer que nós somos, que a sociedade é machista, e buscar conhecimento para saber como podemos desconstruir. A periferia também é racista, é homofóbica, temos que ter cautela e nos responsabilizar diariamente para que isso não aconteça. Nomes como a Mc Cacau Rocha, Mc Carol de Niterói e Valeska tem mandado o papo reto contra o machismo.

“A periferia também é racista, é homofóbica, temos que ter cautela e nos responsabilizar diariamente para que isso não aconteça.”

Por Amanda Macedo, de São Paulo
Foto: Guilherme Silva/CUCA da UNE