A subprocuradora-geral da República, Deborah Macedo Duprat, integra o Ministério Público Federal há quase três décadas. Com longa trajetória na defesa dos direitos humanos, coordenou no âmbito do MPF as câmaras de defesa do Meio Ambiente, do Consumidor e de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Em 2009, assumiu interinamente a chefia da Procuradoria Geral da República, período em que ajuizou ações de grande repercussão social, como a união civil homoafetiva e o direito das pessoas transexuais de trocar de nome independentemente de cirurgia de redesignação sexual. Desde maio de 2016 está à frente da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão que integra o Ministério Público Federal.
Em entrevista para a UBES, Duprat afirma que tanto o projeto Escola sem Partido como a reforma do Ensino Médio, proposta pelo Temer, são inconstitucionais. Leia abaixo!
UBES: Como o projeto Escola sem Partido atinge o papel de escola garantido pela Constituição de 1988?
D. D.: A constituição de 1988 é a primeira que estabelece direitos para o conjunto da sociedade brasileira e põe fim a privilégios históricos. E a escola tem esse papel estratégico de desconstruir essas relações centenárias de dominação. Quando o escola sem partido proíbe a discussão sobre gênero, por exemplo, ele proíbe que se discuta o patriarcado, ele proíbe que se discuta as várias expressões de identidade sexual. Então, ele continua sendo um projeto que reforça desigualdades, dominações e isso é a primeira porta. Daqui a pouco ele vai querer que não se discuta o racismo, a política… E a política faz parte do exercício da cidadania. Nós não estamos falando aqui de política partidária, estamos falando da grande política.
UBES: O projeto de censura nas escolas acontece ao mesmo tempo em que acontecem tentativas de censura na arte e outros campos. Por que, na sua opinião, esse movimento conservador está vindo à tona agora?
D. D.: Eles [os conservadores e liberais] perderam no processo constituinte e agora com esse golpe sobre direitos, com esses episódios todos que aconteceram no país, eles começam a ganhar força. É uma inversão do que foi o ganho na constituição de 1988. É uma disputa política e eles estão se valendo do momento de fragilidade da Democracia para avançar.
UBES: A procuradoria-geral da República tem poucas mulheres. Você foi a primeira mulher a comandar a PGR na história do Brasil. Como você se sente em relação a isso? E como aumentar a representação feminina nesses espaços predominantemente masculinos?
D. D.: Atualmente, temos uma procuradora-geral da República mulher. E é interessante como essa presença muda a configuração, até espacial, de uma instituição. Ela começa a ter várias mulheres, começa a ter uma visão de direitos humanos muito especial e isso de fato é muito importante.
A nossa instituição, a exemplo de muitas outras, é perversa porque ela não reconhece que já no ingresso as mulheres estão numa situação de desvantagem, porque elas são mandadas para localidades muito distantes, como todos os homens, em localidades muito patriarcais, muito machistas e misóginas. E isso assusta. Então, nós temos um número muito decrescente de mulheres que concorrem à carreira. É preciso pensar isso estrategicamente, inclusive para outras instituições também.
UBES: Como foi sua experiência no período em que chefiou interinamente a Procuradoria-Geral da República?
D. D.: Eu entrei no Ministério Público para trabalhar com a questão indígena, um dos segmentos mais atingidos por essa oligarquia. Então, desde o início da minha carreira eu estive num processo de luta. Em 2009, eu tive a oportunidade de estar na chefia do Ministério Público, e daí todas as pautas que desse noção desse ganho constitucional, do fim das dominações, eu procurei fazer no âmbito do Supremo Tribunal Federal: as cotas para os negros, a união homoafetiva, questões territoriais para os indígenas, quilombolas, populações tradicionais, avanço na reforma agrária… Por onde você pensar que é possível repensar a sociedade brasileira eu procurei atuar. Isso me gerou muita satisfação.
UBES: Quais os mecanismos jurídicos para barrar o Escola sem Partido?
D. D.: Já estão sendo acionados internamente por meio das ações diretas de inconstitucionalidade das leis estaduais e municipais [do escola sem partido]. O projeto federal, no Senado, foi arquivado e agora existe um outro na Câmara. Então, estamos com um resultado positivo no Supremo Tribunal Federal em relação a barrar essas leis.
Além disso, três relatorias da ONU se posicionaram contra o projeto escola sem partido e a Corte Interamericana de Direitos Humanos interpelou o governo brasileiro a respeito desse projeto.
UBES: O governo brasileiro respondeu?
D. D.: Respondeu que essa era uma discussão que cabia ao legislativo e que ele não interferia nas discussões do legislativo.
UBES: Você mencionou que a reforma do ensino médio de Temer é inconstitucional. Por que ela é inconstitucional e quais os mecanismos jurídicos para reverter essa reforma?
D. D.: Existe uma ação de inconstitucionalidade e um parecer do procurador geral da República [enviado ao Supremo Tribunal Federal crítico ao projeto]. Na época, a primeira impugnação que foi feita era a questão de ela ser veiculada mediante medida provisória. Esse vício de origem permanece. O Supremo reconhece que uma lei é inconstitucional se ela teve um início equivocado. Mas, eu acredito que o maior problema da reforma do ensino médio é que ele contraria o grande princípio constitucional da escola ser um espaço de construção da cidadania. Quando você torna opcionais determinadas disciplinas que são exatamente aquelas que suscitam inquietudes, discussões, dúvidas, que faz com que as pessoas se reúnam no espaço público para discutir o destino do país, quando são suprimidas, aí você tem a grande inconstitucionalidade.