“Não estude e trabalhe até o fim da vida, sem se aposentar”. Para o economista, professor e pesquisador Eduardo Fagnani, este é o recado que a reforma da Previdência colocada pela PEC 287 deixa para a população brasileira, em especial para a juventude.
O professor da Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política Social – Caminhos para o Desenvolvimento coordenou um estudo técnico sobre a proposta do governo Temer chamado “Previdência: Reformar para excluir?”. O livro, que pode ser lido aqui, é iniciativa do Departamento Intersindical de Estatística e de Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
Em entrevista ao site da UBES, ele diz que a reforma traz duas “tragédias anunciadas”: o desamparo na velhice e a falência da educação. Isto porque, sem a verba das aposentadorias, as famílias não teriam condições de manter os jovens na escola e fora do mercado de trabalho.
Qual a ligação da perda de direitos na velhice com a educação dos jovens? Ele explica melhor:
No período recente, a melhoria da renda das famílias [por conta da geração de empregos, da ampliação do salário mínimo e das transferências de renda da Seguridade Social] teve impactos positivos nos indicadores educacionais. As famílias puderam priorizar a escolarização dos seus filhos e netos, em vez do trabalho.
Para ele, a cena que está sendo desenhada para o futuro é ainda mais grave no campo, onde a aposentadoria rural que existe hoje seria igualada às demais, ainda que a atividade do agricultor não gere a mesma renda o ano todo, por depender de variações da natureza. Problemas hoje superados, como migração, podem voltar a acontecer.
Não é justo, por exemplo, que o trabalhador rural do Nordeste do Brasil esteja submetido a regras de aposentadoria mais exigentes que às aplicadas ao trabalhador urbano da Escandinávia.
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Leia a entrevista com Eduardo Fagnani:
UBES: Pela reforma da Previdência que está no Congresso, o trabalhador precisaria começar a contribuir aos 16 anos para garantir a aposentadoria integral aos 65 anos. Isso poderia impulsionar jovens a entrar mais cedo no mercado de trabalho?
Eduardo Fagnani: Imediatamente após a reforma, creio que os jovens não se sentirão motivados para aderir ao sistema de previdência (“se eu não vou usar, por que pagar?”), pois, para se aposentar aos 65 anos será preciso entrar no mercado de trabalho formal (com carteira assinada) e contribuir, ininterruptamente, durante quase meio século (49 anos) para ter acesso à aposentadoria plena (no máximo cerca de R$ 5 mil); ou, 25 anos, para ter direito a aposentadoria parcial (70% menor que a plena). Nos países igualitários, que inspiram a reforma brasileira, os jovens entram no mercado de trabalho com 24 anos, em média. Se isso ocorrer aqui, o jovem irá se aposentar com 72 anos.
UBES: As novas regras brasileiras seguiriam o mesmo padrão de países mais desenvolvidos, certo?
EF: Essa regra (65 anos de idade e 49 anos de contribuição) é mais severa que aquela praticada em nações igualitárias e uma aberração diante da realidade do mercado de trabalho e dos indicadores socioeconômicos e demográficos do Brasil.
Em média, mais de 40% dos empregos são informais (sem carteira assinada e sem contribuição previdenciária). Nas regiões mais pobres, esse percentual chega a 65%. A rotatividade do emprego é vergonhosa na comparação internacional. Em função dela, o trabalhador contribuiu para a previdência apenas durante oito meses por ano, em média. Mais de 80% dos indivíduos que se aposentaram por idade, contribuíram por período inferior a 20 anos. A PEC 287 exige 25 anos de contribuição para a aposentadoria parcial.
Os jovens serão forçados a entrar no mercado de trabalho precocemente (16 anos ou menos) a partir do momento em que o efeito da reforma começar a ser sentido na renda das famílias, reduzida em função da subtração dos benefícios previdenciários e assistenciais.
UBES: Hoje em dia, qual a importância da renda dos aposentados para que as famílias brasileiras mantenham os jovens na escola?
EF: Atualmente, 82% dos idosos têm, ao menos, o benefício da previdência como fonte de renda. No período recente, a melhoria da renda das famílias (por conta da geração de empregos, da ampliação do salário mínimo e das transferências de renda da Seguridade Social) teve impactos positivos nos indicadores educacionais. As famílias puderam priorizar a escolarização dos seus filhos e netos, em vez do trabalho. Dados do IBGE (PNAD – 2011) indicam queda no percentual de jovens de 15 a 17 anos que trabalhavam e ampliação da proporção daqueles que estudavam.
Por seu caráter excludente, a Reforma da Previdência (PEC 287/2016) tende a expulsar uma massa de jovens da escola que serão jogados no mercado de trabalho. Isso porque, em algumas décadas haverá um formidável contingente de idosos sem proteção e, portanto, sem renda para viver e para complementar o orçamento familiar.
UBES: O senhor acredita que isto trará efeitos para a educação?
EF: Neste exato momento estão sendo tecidas duas “tragédias anunciadas”. A tragédia da desproteção na velhice e a tragédia da deseducação dos jovens. Ironicamente isso ocorre num país em que a “elite” não cansa de dizer que a “educação é prioridade” nacional – depois, evidentemente, da “prioridade” de colocar a inflação no “centro da meta”, a qualquer preço, mesmo com o suicídio econômico (retração de mais de 7% do PIB em dois anos) e o desastre do desemprego.
UBES: De que outras formas acredita que a reforma proposta poderia afetar a vida da juventude brasileira?
EF: Como mencionado, eles serão expulsos da escola e empurrados precocemente para o mercado de trabalho em decorrência do imperativo de sobrevivência financeira das famílias que não mais disporão de renda previdenciária e assistencial para complementar o orçamento doméstico. Essa contingência afetará dramaticamente os jovens das periferias dos centros urbanos. Mais grave é a situação do jovem que reside no meio rural.
UBES: Por que os jovens da zona rural serão mais prejudicados?
EF: Além de acabar com o diferencial de idade mínima para a aposentadoria (cinco anos a menos que o trabalhador urbano), pelas novas regras o trabalhador rural também deverá fazer contribuições mensais e individualizadas. Esse modelo conflita com os regimes de safras e a sazonalidade da produção da agricultura familiar. A maioria dos trabalhadores rurais não possui renda disponível todos os meses para arcar com o encargo previdenciário. E serão expulsos do sistema.
A Previdência Rural instituída pela Constituição Federal de 1988 contribuiu significativamente para a redução da pobreza no campo, tornando-a, hoje, quase residual. E o impacto da Previdência rural não se limita às famílias que a recebem: ele se estende a toda população do campo e sobre a economia das cidades com menos de 50 mil habitantes (que representam 88% do total de municípios do país). O início precoce da atividade laboral é percebido pelo fato de que o trabalho infantil ocorre majoritariamente em áreas rurais.
Em 2014, 78,2% dos homens e 70,2% das mulheres ocupadas na zona rural disseram que começaram a trabalhar antes dos 15 anos. Esse indicador, que vem decrescendo desde 1998, voltará a subir dramaticamente nas próximas décadas.
UBES: Quais aspectos deveriam ser considerados para uma reforma da previdência justa no Brasil?
EF: Sendo o Brasil uma sociedade cronicamente desigual, não se pode concordar com a imposição de regras mais estritas que as vigentes nos países desenvolvidos que apresentam indicadores sociais, econômicos e demográficos de melhor qualidade que os brasileiros.
Não é justo, por exemplo, que o trabalhador rural do Nordeste do Brasil esteja submetido a regras de aposentadoria mais exigentes que às aplicadas ao trabalhador urbano da Escandinávia.
Uma proposta de reforma que se pretenda justa deve considerar a experiência histórica de cada país, seu estágio de desenvolvimento e as condições materiais de vida do seu povo. O debate tem de ser amplo, e a questão não pode ficar resumida unicamente a imperativos orçamentários.