São Paulo – Para a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a decisão da Justiça goiana de suspender o edital de chamamento de organizações sociais para assumir a gestão de escolas em Goiás, divulgada na última segunda-feira (2), é resultado também da mobilização dos estudantes, que desde o anúncio da medida, em 2015, denunciaram que o modelo daria margem para a privatização das instituições de ensino.
No auge das mobilizações, em dezembro daquele ano, 28 escolas públicas chegaram a ser ocupadas no estado. Os estudantes deixaram as unidades em fevereiro de 2016, após decisão judicial e uma série de tentativas de reintegração de posse.
“Essa decisão é também resultado da luta dos estudantes, pois se não fosse nossa movimentação para divulgar o que poderia acontecer com as escolas e para apresentar esse projeto para a sociedade não conseguiríamos evitar essa terceirização nas escolas”, diz o diretor da Ubes de Goiás, Gabriel Tatico. “Nós acompanhamos sempre tudo de perto e vemos como muito positivo esse posicionamento da Justiça.”
Como a Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Cultura ainda pode recorrer da decisão, os estudantes permanecerão mobilizados para impedir que o edital seja levado adiante. Eles estão finalizando a agenda de mobilizações no município de Anápolis, onde estão localizadas as primeiras 23 escolas que teriam a gestão transferida para as organizações sociais pelo edital suspenso na última segunda-feira (2).
“Haverá o Encontro Nacional de Grêmios da Ubes, onde vamos reunir estudantes que participaram de ocupações em diversos estados para discutirmos encaminhamentos e voltarmos para o estado traçando novos rumos para impedir que a terceirização de escolas aconteça”, disse Tatico. O encontro ocorrerá em 30 e 31 de janeiro, em Fortaleza.
A decisão de transferir a gestão de escolas estaduais e escolas técnicas para organizações sociais foi publicada por Perillo em dezembro de 2015, no Despacho 596. Para estudantes, professores, sindicatos e movimentos sociais, a medida corresponde a um modelo de privatização da educação. A Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) divulgou na ocasião nota na qual afirmava que a medida “constitui um processo de terceirização da oferta da educação pública”.
A juíza Eliana Xavier Jaime acolheu pedido de liminar feito pela promotora Carla Brant, da 13ª Promotoria de Justiça de Anápolis, em fevereiro último, e determinou a suspensão do edital de chamamento público nº 3/2016, destinado à seleção de organizações sociais na área da educação para assinarem contrato de gestão de escolas da rede pública estadual. Em caso de descumprimento da decisão foi fixado o pagamento de multa diária de R$ 1 mil, a ser paga diretamente pela secretária de Estado da Educação, Cultura, Lazer e Esporte, Raquel Teixeira.
Em julho, o governo de Goiás havia cancelado o primeiro edital de chamamento das organizações (1/2016), que transferiria a gestão de escolas para as entidades, para adequação à nova legislação de contratação de organizações sociais do estado, como afirmou na época a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Científico e Tecnológico. A Justiça havia pedido explicações sobre o edital.
Já em agosto o documento foi relançado como edital 3/2016, sem grandes alterações no conteúdo. A organização social Gestão Transparência e Resgate Social (GTR) foi a escolhida, conforme divulgado pelo governo de Goiás em outubro passado. O presidente da instituição, José Roldão Gonçalves Barbosa, é filiado ao PSDB, partido do governador, Marconi Perillo. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barbosa está na legenda desde 2009.
De acordo com o Ministério Público, a organização selecionada tinha, na época, apenas seis meses de existência e não havia qualquer registro no site de que a empresa tivesse experiência nessa área. Além disso, as demais organizações classificadas também não possuíam os requisitos necessários para desempenharem o trabalho, em especial quanto à capacidade profissional e idoneidade moral de seus dirigentes, que, em alguns casos, figuram como réus em ações penais por corrupção, peculato, desvio de verbas públicas e associação criminosa.
A magistrada considerou que está “comprovado de forma clara e inequívoca a inércia do Governo do Estado de Goiás e da Secretaria de Estado da Educação, Cultura, Lazer e Esporte (Seduce), na modificação dos itens recomendados para a efetiva escolha da organização social gestora e administradora das unidades educacionais da Rede Estadual de Anápolis”.
Entre as diversas irregularidades observadas estavam a ausência do princípio da gestão democrática do ensino, a possibilidade do uso indevido de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o prazo excessivo dos contratos a serem firmados (12 anos no total), os valores por alunos díspares no edital, além da ausência do devido credenciamento e idoneidade das OSs até então selecionadas.
Ao acolher o pedido liminar a juíza afirmou que embora os contratos de gestão não sejam submetidos formalmente à licitação, “eles devem ser conduzidos de forma pública, impessoal e por critérios objetivos, como consequência da incidência direta dos princípios constitucionais que regem a administração pública”. Ela acrescentou que “o poder público deve realizar procedimento objetivo de seleção entre as organizações sociais qualificadas no seu âmbito de atuação, para que escolha impessoalmente com quem realizará a parceria e referidas instituições devem possuir todos os requisitos legalmente exigidos”.
Em nota, a Secretaria de Educação de Goiás informou que ainda não foi notificada do teor da decisão e que irá cumpri-la. “A Procuradoria Geral do Estado (PGE) está tomando as devidas medidas para interpor o recurso cabível”, diz o texto. A secretaria afirma que se trata de uma “ação inovadora” que “busca a melhoria da gestão das escolas, com foco no aumento da qualidade do ensino e da aprendizagem”.
Por Sarah Fernandes, da RBA publicado 04/01/2017 18:40, última modificação 05/01/2017 16:21.