Você já ouviu alguém dizer que, se o adolescente “não pode ir para a cadeia, também não deveria poder escolher os governantes”? Para Gabriela Schreiner, que é consultora para Brasil e outros países da América Latina em políticas públicas de infância, adolescência, família e gênero, o argumento não faz sentido. “É um equívoco pensar que adolescentes não são responsabilizados por seus atos contrários à lei. Eles são julgados e recebem uma medida de acordo com o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Na semana em que a conquista ao voto antes dos 18 anos faz aniversário (leia mais!), a cientista social e mestre em políticas públicas conversou com o site da UBES sobre o assunto. Ela exaltou o direito inserido na Constituição desde 1988:
“Para adolescentes é uma conquista, para o País é algo de que se orgulhar, sendo referência para outras nações.”
Hoje, 2,3 milhões de jovens com menos de 18 anos têm seu título do eleitor. Mesmo assim, a cada 10 adolescentes de 16 e 17 anos, 8 não se registraram no Tribunal Superior Eleitoral. Para que a estatística aumente, Gabriela dá algumas sugestões, como ampliar espaços de diálogos, simplificar a linguagem de documentos e conferências e ampliar acesso à informação.
Ela observa ainda que há espaços onde a participação jovem também deveria ser contemplada, como conselhos municipais, estaduais e federal da juventude.
UBES: Qual a importância, para a juventude, de poder participar do processo eleitoral de sua cidade, estado e País, mesmo antes de completar 18 anos?
Gabriela Schreiner: Considero que a participação política, que encontra uma expressão importante no poder de eleger representantes, é um direito e o voto, uma oportunidade de participação legítima para adolescentes e jovens. (Aqui faço uma observação importante: o poder de voto também se aplica para a eleição dos conselheiros tutelares – que trabalharão para assegurar direitos das crianças e adolescentes – e de conselheiros municipais dos direitos das crianças e adolescentes, dentro dos candidatos representantes da sociedade civil –, sendo o CMDCA quem deliberará sobre a política municipal para os direitos das crianças e adolescentes).
É um exercício de cidadania que vai além do “treino”, como algumas pessoas costumam definir. É exercício pleno de cidadania, oportunidade para fazer-se representado/a e de poder esperar – e cobrar – respostas dentro desta representação.
Uma conquista a celebrar que também precisa ser estendida a outros espaços onde se pensam e decidem sobre os direitos de crianças e adolescentes, e nos quais há escassa ou nula voz ativa dos mesmos até o momento.
Para adolescentes é uma conquista, para o país é algo de que se orgulhar, sendo referência para outras Nações.
UBES: Muitos críticos apontam uma suposta contradição: adolescentes podem ser responsáveis pela escolha de representantes políticos, como adultos, mas não podem ser responsabilizados por crimes como adultos. É realmente contraditório?
GS: Em minha opinião são duas coisas diferentes e que não deveriam entrar na mesma discussão. O voto entre 16 e 18 anos é facultativo e representa uma possibilidade de exercer um direito de cidadão/ã.
Por outro lado, é importante entender que há uma diferença entre responsabilização por uma infração penal e imputabilidade penal. Adolescentes que cometem atos contrários à lei penal são julgados e recebem uma medida de acordo com o estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta medida é socioeducativa considerando a etapa peculiar de desenvolvimento e a plasticidade cerebral desta etapa de vida (neurociência), mas é também uma medida definida a partir do reconhecimento pela autoridade judiciária da responsabilidade do adolescente. A medida, por sua vez, seja de restrição de liberdade ou em meio aberto, tem como fundamento o reconhecimento das razões da mesma por parte do adolescente, ou seja, a assunção de responsabilidade pelos atos e a consequente aprendizagem. Então é um equívoco pensar que adolescentes não são responsabilizados por seus atos contrários à lei, e podem sê-lo, a partir de 12 anos.
UBES: Como estimular que mais jovens tenham interesse e participem das decisões políticas?
GS: Convidando-os a pensar, a refletir e a problematizar suas vidas, a de suas comunidades, a de sua cidade, estado e país. Quando se pode pensar a respeito do que acontece e se conta com informação pertinente, variada, ampliada e de qualidade, se podem iniciar processos de mobilização para a participação.
Mas além disso é preciso promover espaços de diálogo e de participação legítima, posta aqui como participação que conta com a escuta a atuação direta de adolescentes e jovens em todas as etapas do processo, aquela na qual se conta com informação pertinente para poder formular o próprio juízo a respeito e se pode opinar, onde a opinião possa fazer sentido para outros.
Facilitar a linguagem: por exemplo os documentos que definem as temáticas que serão debatidas nas Conferências dos Direitos das Crianças e Adolescentes (temáticas estas definidas por adultos em Brasília, só para registrar…), usam linguagem demasiado técnica e complexa, o que dificulta a participação autônoma de crianças e adolescentes. Consultar adolescentes em todas as etapas do processo, fazê-los parte da construção e facilitar a linguagem seria um facilitador de participação.
Mas sobretudo é preciso assegurar espaços para participação legítima, ampliar os que existem e facilitar para que sejam ocupados por diversas representações.
Uma questão para pensar neste sentido por exemplo é porque não é lei, não está assegurada por lei, a participação de crianças e adolescentes nos Conselhos municipais, estaduais e federal, que são os órgãos que deliberam sobre as políticas públicas que lhes afetam? Aqui me refiro à conseguirem compor a paridade de participação entre conselheiros/as, não como “assessores” ou “consultores”, mas como conselheiros de forma colaborativa com direito à voz e voto?
Há 29 anos: leia sobre a conquista do voto facultativo para adolescentes