Em discursos e no plano de governo, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) costuma citar supostas “ideologia” e “doutrinação” como principal mal a ser combatido no ensino brasileiro. Este problema jamais foi diagnosticado cientificamente ou citado em relatórios da área.
Por outro lado, uma lista de questões sérias aguarda por resoluções e prioridade dos poderes Executivo e Legislativo de todas as esferas públicas.
Os desafios abaixo nunca foram abordados pelo novo governo federal, mas precisam de espaço nas discussões sobre educação. Conheça a lista:
Aprovada a “reforma do Ensino Médio”, faltam planos e recursos para que seja executada sem precarização. Ainda não está definida a formação e adaptação dos profissionais das escolas nem dos materiais didáticos.
Também não se sabe como, nos anos seguintes, as escolas farão a ampliação da carga horária sem aumento de recursos financeiros.
Das 20 metas para uma educação de qualidade, 16 estão praticamente estagnadas. A análise sobre os 4 anos de vigência do Plano Nacional de Educação (PNE) foi feita pelo próprio Inep, órgão do Ministério da Educação (MEC), em junho de 2018.
É preciso prioridade para o PNE, que é Lei e um compromisso do Brasil com sua escola. Entre as metas, estão aumento de vagas, de verba, melhoria de estrutura e de salários de professores.
É preciso erradicar o analfabetismo de adultos no Brasil – 8% da população acima de 15 anos não sabe ler e escrever. Por isso preocupa a atual deficiência e falta de atenção aos EJAs.
Com paredes descascadas, mesas quebradas e falta de material é difícil que professores e estudantes sintam acolhimento e inspiração no ambiente escolar.
Segundo o Censo Escolar divulgado em 2018, a cada 10 escolas de ensino fundamental, 8 não têm laboratório de ciências, 6 não oferecem banheiro acessível para pessoas com mobilidade reduzida e 5 têm apenas fossa no lugar do banheiro.
No Ensino Médio, falta laboratório em quase metade dos colégios, 45,6%. A cada 10 unidades, 3 ainda oferecem fossa em vez de sistema de esgoto.
Hoje, professores das redes públicas ganham 25% menos do que outros profissionais assalariados com o mesmo nível de ensino. O cálculo é do próprio Ministério da Educação, feito este ano.
Segundo o Plano Nacional de Educação, o desequilíbrio deveria ser resolvido até 2020. Também são metas do PNE: plano de carreira e criação de um piso salarial nacional para a profissão.
Quanto mais lenta for a adequação dos salários dos profissionais da educação, mais difícil construir uma escola com motivação, inspiração e preparo.
A cada quatro professores brasileiros do ensino básico, um faz “bicos” para complementar a renda.
Ainda não há um novo fundo para substituir o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb), que tem duração só até 2020.
Sem o Fundeb, a escola pública entraria em colapso total.
É urgente renovar o fundo em 2019. Há duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional. Movimentos educacionais reivindicam melhorias nos projetos, como aumento da contribuição da União.
Composto por parte de impostos municipais e estaduais, somada a uma complementação federal, o Fundeb distribuiu R$ 148 bilhões em 2018. Mais da metade (60%) é usada para completar salário de professores em estados que não atingem o piso nacional.
Quase todos os problemas da escola pública implicam em falta de verbas. Com as verbas atuais, o Brasil investe por aluno apenas metade do valor dos países desenvolvidos.
O problema é que o teto de gastos imposto pelo governo Temer em 2016 (EC 95) comprime o orçamento dos próximos 20 anos. Com esta medida em vigor, o orçamento em educação tende a diminuir, não aumentar, como orienta o Plano Nacional de Educação.
Em 2018, só com muita pressão os recursos do Ministério da Educação foram mantidos.
A meta do Plano Nacional de Educação é ter 85% dos jovens entre 15 e 17 anos na escola até 2024. Hoje são 70,1%.
Um milhão e meio de jovens entre 15 e 17 anos se mantêm fora da escola. Uma preocupação é que os sistemas de ensino têm diminuído salas de aula, desconsiderando as pessoas não matriculadas.
A escola pública tem ainda a meta de atender 25% das matrículas de ensino básico em período integral, até 2024. São apenas 17,4% em 2017, uma estagnação em relação a 2014, segundo balanço do Inep.
As vagas de ensino médio integrado com o profissional deveriam triplicar em relação ao ano inicial do Plano Nacional de Educação, 2014 (468 mil matrículas). Para isso, devem atingir 1,3 milhão em 2024, mas ainda estão em 55 mil.
Porém, os Institutos Federais sofrem sérias ameaças com os cortes de verbas e a Emenda Constitucional do teto de gastos.
Já o “novo Ensino Médio”, previsto para os próximos anos, é uma ameaça à manutenção da qualidade na expansão das vagas. Neste formato, para optar pelo ensino médio técnico, o estudante precisa abrir mão dos outros aprofundamentos (ciências humanas, ciências exatas, linguagens, etc).
A Constituição Brasileira descreve educação como direito que visa não só a “qualificação para o trabalho”, mas também “o pleno desenvolvimento da pessoa” e “seu preparo para o exercício da cidadania”.
No sentido contrário à proposta constitucional, o presidente eleito defende o projeto “Escola Sem Partido” e defende publicamente o fim do “senso crítico” na escola.
Exercer cidadania é saber reivindicar direitos, colocar opiniões e participar da democracia. Isso também é função da escola.