A população LGBT é um dos grupos que mais sofre com danos à saúde mental causados pelo preconceito. Segundo estudo realizado pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, a falta de suporte de familiares e amigos aumenta o risco de depressão e ansiedade desse grupo. A UBES avalia que é necessário que o poder público volte os olhos à essa parcela da sociedade, já que o problema atinge em cheio a juventude LGBT que sofre pela falta de políticas públicas.
Kátia Souto, especialista em saúde coletiva e ex-diretora do Departamento de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde afirma que a LGBTfobia é o problema que ‘mata e adoece’ sendo a saúde mental uma das consequências desse processo. “Viver numa sociedade que discrimina sua orientação sexual, ou seja, seu afeto e desejo, seu direito de viver a vida amorosamente com uma pessoa de sua preferência, só pode adoecer não apenas quem é discriminado, mas toda a sociedade”, ressalta Kátia.
“Medidas como essa da ‘cura gay’ podem agravar a LGBTfobia”, acrescenta a especialista. A terapia de ‘reversão sexual’ foi possibilitada em setembro de 2017 por decisão judicial. O tratamento estava proibido pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999. “Precisamos não da ‘cura gay’, porque orientação sexual não é doença, mas da cura da LGBTfobia, porque preconceito e discriminação é que são males e agravos à saúde da humanidade” afirma Kátia.
A LGBTfobia provoca consequências graves por todo o mundo. Na Irlanda, por exemplo, um estudo da University College Cork mostrou que 40% dos homossexuais adolescentes pensaram ou tentaram cometer suicídio em algum momento da vida. Marina Reidel, diretora de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos diz que “a maioria dos jovens LGBT que cometem suicídio deixam registros que foi pela incompreensão da família ou dos colegas de escola. Assim sem apoio familiar ou institucional acabam cometendo este ato.”
Marina diz que hoje os serviços de saúde não correspondem às expectativas de acesso e que o serviço deve ser melhor capacitado, além dos profissionais que não sabem como lidar com essas situações. “Há um plano de saúde integral da população LGBT produzido pelo Ministério da Saúde e que contempla ações neste sentido, no entanto ainda precisamos olhar mais para essa pauta da saúde mental e capacitar mais nossos profissionais nas base e nas comunidades”, conclui Marina.
Jardel Corbacho, diretor LGBT da UBES, afirma que políticas públicas de saúde mental para a população LGBT são mais que essenciais: “Os dados são alarmantes pelo preconceito da sociedade que acaba ceifando vidas e destruindo sonhos.”
Ele também reforça a importância do debate de sexualidade e gênero na educação básica para uma educação livre de preconceitos: “Tanto nas escolas quanto na sociedade para que desde criança, as pessoas aprendam a respeitar todos e todas, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.”
Uma das ameaças ao livre debate nas escolas do país é o projeto Escola Sem Partido. Em contrapartida, a UBES defende a Escola Sem Mordaça, sem censura de temas, para incentivar a discussão de assuntos importantes como gênero e sexualidade na formação de jovens e crianças para construirmos uma sociedade aberta à diversidade.
Os entraves são ainda maiores as pessoas trans. A identidade trans ainda é classificada como distúrbio de saúde mental pela Organização Mundial de Saúde. A classificação errada impede que abordagens mais eficazes reduzam os problemas que vivem essa parte da população.
Inês*, mulher trans e psicóloga, se formou em uma universidade de Lajeado no Rio Grande do Sul. Ela teve uma oportunidade que grande parte da população trans não tem, como o acesso ao ensino superior.
Antes de conseguir ingressar na profissão por meio de concurso público, Inês enfrentou problemas por conta de sua identidade de gênero: “Tive dificuldade em conseguir estágio em campos mais tradicionais, onde explicitamente foi referido que a minha condição de gênero, apesar de minha competência, não se ‘encaixavam’ no perfil adequado.”
Além do preconceito, Inês ressalta que a violência promovida por ódio, o abandono real ou simbólico da família e a dificuldade do acesso à educação e trabalho, produzem ainda mais sofrimento para as pessoas LGBT.
Ela aponta a necessidade de espaços que ofereçam acolhimento e apoio em situações de sofrimento para o grupo: “Quando me refiro a estes espaços, não quero dizer novas instituições, mas que nas escolas, serviços de saúde e de assistência, tenham a capacitação para tal.”
*O nome foi trocado para preservar a identidade da entrevistada