Mais de 50 anos depois do golpe militar que retirou a democracia e direitos humanos no Brasil, ainda há muito desconhecimento sobre este período da História. Pior: há quem defenda camuflar o estudo deste período nas escolas e livros didáticos.
Explicamos aqui alguns dos erros mais comuns ao se falar sobre o regime militar que durou de 1964 a 1985, usando como base comentários em uma publicação da UBES no Facebook, no dia 31 de março de 2018.
Essas informações equivocadas circulam há anos, desde quando jornais, imprensa, oposição e movimento estudantil eram proibidos. Só o conhecimento pode estruturar a democracia.
“Quem era trabalhador não teve problema”
Segundo relatório da Comissão da Verdade, entre as centenas de pessoas mortas estavam estudantes que protestavam contra alimentos caros, padres que conheciam esquerdistas e até militares que discordavam das torturas.
Para ser censurado, perseguido, torturado e morto pela repressão do regime militar, bastava contestar o governo, independente da linha ideológica. Na verdade, bastava o governo pensar que a pessoa contestava, mesmo sem provas. Ou pensar que a pessoa conhecia alguém que contestasse.
É como se ninguém pudesse criticar o governo Dilma quando ela estava na presidência, por exemplo. E nem mesmo conversar com quem criticasse. Se você acha bacana lutar pelo seu país dizendo o que pensa nas ruas, saiba: naquela época não podia.
“Pelo menos os militares tinham ética”
Quem disse foi o próprio general Estevão Taurino de Rezende, o militar responsável pela Comissão Gerais de Investigações (CGI): “O problema do comunismo perde expressão diante do problema da corrupção administrativa”.
Entre 1964 e 1986 havia corrupção, o que não tinha eram conselhos fiscalizatórios fora do controle dos militares nem acompanhamento do Congresso, até porque o Congresso foi dissolvido em 1968. Era tudo acobertado.
Os gastos estratosféricos em “obras faraônicas”, como a hidrelétrica de Itaipu e a rodovia Transamazônica, nunca foram investigados.
Leia mais sobre isso: no livro Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari (2002)
Pelo contrário. O governo militar reduziu drasticamente os investimentos em Educação e liberou a venda de ensino por instituições privadas. Foi a partir daí que o ensino público perdeu qualidade e a classe média passou a pagar pelo serviço em escolas particulares.
A Emenda Constitucional número 1 desobrigou o Estado a gastar um mínimo de 12% com a área. O percentual caiu de 7,6%, em 1970, para 4,31% em 1975 e ficou em 5% em 1978.
Essa emenda de 1969 também incentivou o ensino pago: “O ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas de estudos”.
Isso tudo sem entrar no mérito da qualidade do ensino. Os conteúdos que ensinam pensamento crítico, como sociologia e filosofia, foram trocados por matérias institucionais, como Educação Moral e Cívica. O método de alfabetização do Paulo Freire, que estava tendo aplicação ampliada, foi trocado pelo Mobral, que falhou no objetivo de erradicar o anafalbetismo até 1984. Além disso, bilhões de reais foram gastos no projeto.
“Cidadão de bem podia andar tranquilo”
Podia-se andar tranquilo desde que se fosse branco, rico e estivesse em bairros nobres. A Polícia Militar, criada neste período, passou a ficar livre para punir pobres trabalhadores sem provas. Sem falar nos grupos de extermínio, que atuavam com liberdade para torturar e matar qualquer um que considerassem suspeitos.
A prática de “segurança” da época cometeu alguns crimes contra a humanidade como recolher menores abandonados em um ônibus e despejá-los nus no meio da estrada de madrugada.
Leia mais sobre o Esquadrão da Morte, que ganhou expressão e liberdade durante a ditadura
Depende para quem. Com o “milagre econômico”, o PIB brasileiro chegou a crescer 10% por ano. Mas essa realidade não bateu na porta dos trabalhadores.
No auge do crescimento, em 1974, um salário mínimo tinha menos poder de compra do que em 1960.