“Nós não estamos tendo assistência, se alguém sentir os sintomas aqui como a gente faz? Há comunidades isoladas. E se fizermos o exame, quanto tempo vai demorar pra chegar? E as pessoas que tiveram contato? Nós vivemos numa realidade totalmente diferente e estamos abandonados.”
A estudante secundarista Alice Maciel de 18 anos expõe a realidade dos povos indígenas em meio à pandemia do coronavírus. Entre tantas vidas ameaçadas, a deles estão ainda mais em risco.
Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), houve um aumento de 156% em 48 horas no último dia 15/04. Até agora foram confirmadas oficialmente três mortes de três etnias distintas (kokama, tikuna e ianomâmi), duas delas no Amazonas, estado que concentra quase a todos os casos (95%). Ao todo, até agora, já são 23 confirmados. O problema maior é quando o vírus começar a entrar nas aldeias.
Alice vive na Aldeia Craveiro no município de Prado, sul do estado da Bahia. Lá, ela afirma que não há respeito pelas medidas de quarentena. “Não estão respeitando as aldeias estarem fechadas, como a cidade é bem turística dificulta ainda mais”, conta a estudante.
Ela conta que a preocupação é que por ser uma comunidade ninguém vive isolado na sua casa. Todos vivem juntos no dia a dia e a aldeia concentra muitos idosos. “Não temos álcool em gel, nem máscaras. Estamos em isolamento, mas sem apoio nenhum”, ressalta Alice mostrando que os indígenas têm de se virar para garantir a própria sobrevivência, já que o poder público não está realizando nenhuma assistência.
Escolas indígenas paradas
Alice nasceu na cidade, mas a mãe não quis distanciar a filha de seus raízes então eles voltaram a morar em aldeia quando ela tinha 13 anos. Ela já passou por comunidades e escolas diferentes mas hoje estuda no Colégio Indígena Pataxó Corumbauzinho.
Diferente das escolas regulares, os colégio indígenas valorizam a cultura dos povos originários garantindo que eles não se distanciem de sua ancestralidade. Segundo o Censo Escolar de 2015, existem 3.085 escolas indígenas no Brasil. Em meio à pandemia, todos esses colégios estão fechados para garantir a vida dos indígenas.
Alice afirma que como indígena ela tem ainda mais dificuldade para entrar no ensino superior, já que existem poucos colégios indígenas próximos de aldeias. Com a quarentena, o sonho da faculdade fica ainda mais difícil já que não oferecem nenhuma alternativa ou assistência para as comunidades.
O estudante indígena e vice-presidente da UNE na Bahia, Victor Pataxó conta que a permanência das datas do Enem desse ano, por exemplo, impacta no acesso dos indígenas à universidade. “Temos dificuldade com acesso a internet, pois dificilmente chega às nossas comunidades e com isso nossos meninos e meninas perdem a inscrição da prova”, conta Victor.
“Em meio a uma crise mundial, estamos sem aula, as comunidades passam por diversas dificuldades na luta pela vida, não é só contra o coronavírus mas também contra os madeireiros, garimpeiros e principalmente a fome. Muitos dos nossos não vão conseguir o ingresso a faculdade através do Enem por causa dessas datas”, explica o estudante Victor Pataxó.
Além da educação, a questão de saúde preocupa muito o estudante. “Há muito tempo, os povos indígenas estão reclamando da falta de assistência nas comunidades, falta de médicos, falta de auxílio do governo, tanto nas comunidades mais isoladas quanto nas mais próximas da área urbana. O covid-19 é só mais um vírus exposto na saúde indígena sem assistência”, aponta Victor. Em seu artigo publicado na página da UNE, “As desassistências de saúde indígena e o avanço do Covid-19”, ele fala sobre como a pandemia tem afetado o atendimento de saúde dos indígenas.
Mesmo com todo esse abandono, Victor afirma que é importante união, resistência e esperança e deixa um recado: “Lutem pelo sonho das suas comunidades e lutem pela entrada na universidade porque é também uma forma de resistir contra a todo esse extermínio diário nós povos indígenas sofremos.”