Ex-interno conta como era vida dentro do centro de detenção
Com o propósito de reafirmar seu posicionamento contrário a PEC 171/93 que prevê redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o site da UBES lança uma série especial de reportagens sobre a redução da maioridade penal. Semanalmente, a entidade lançará depoimentos, entrevistas, matérias entre outro conteúdos exemplificando razões para dizer não a redução da idade penal.
Recentemente, o Ministério Público (MP) realizou uma investigação de oito meses sobre a Fundação Casa, em que apresentou um cenário de superlotação, curtas internações e alto índice de reincidência entre os adolescentes/internos.
Apesar do estado de São Paulo ser classificado como o melhor do país na execução de medidas para menores, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o estado tem uma situação muito debilitada na Fundação Casa, conforme avaliação do MP.
Os números apresentam uma situação precária. De acordo com o relatório do Ministério, das 38 unidades da Fundação Casa na capital paulista, 27 estavam, no mês de março, superlotadas. Mesmo com alegação de uma liminar do supremo Tribunal Federal (STF) que permite a acomodação de 15% a mais de adolescentes em cada uma das unidades, ainda assim o número de unidades superlotadas chega a 20 na cidade.
Por causa da quantidade de menores dentro da instituição, o período internado são muito mais curtos. Dos 1.232 casos de internação contabilizados nas unidades da capital, entre agosto de 2014 e março deste ano, 89,6% (1.104) não passaram mais de 12 meses na Fundação Casa. E apenas cinco adolescentes passaram mais do que dois anos em processo de ressocialização.
Decorrente desse alto número de menores internados, muitos adolescentes são sujeitados a dormir em colchões no chão, encostado no outro, para que todos caibam nos dormitórios. Esse era o caso do ex-interno Leonardo Ferreira, que passou um ano internado. “Na Fundação Casa de São Paulo era super lotado. Eu e mais alguns outro moleques dormíamos em colchões no chão”, revela.
O ex-interno, atualmente com 18 anos, já está há 1 ano e 9 meses em liberdade. Leonardo foi preso em 2013, com 16 anos de idade, ao ser pego roubando uma lotérica na Zona Leste de São Paulo. Tomou cinco tiros no braço e próximo a boca na fuga da PM. Sobreviveu e foi parar na Fundação Casa São Paulo.
Quando questionado sobre os motivos que o levou ao ato criminoso, Leonardo respira fundo e diz: “Foi por dificuldades financeiras”.
Dentro da instituição, ele conta que o dia a dia é rotineiro. “Acordamos cedo, temos aulas, alimentação, atendimento técnico, atividades e tarefas para fazer todos os dias”, explica.
Quanto ao comportamento dos funcionários com os menores, Leonardo conta que é comum apanhar, mas depende do comportamento do adolescente. “Lá dentro eles batem, mas depende do que você faz. Lá você não pode fazer nada mesmo, se o funcionário pega você brincando, comendo fora do horário ou se você bate boca com ele você apanha. Uma vez eu sai do quarto sem pedir permissão e apanhei, outra fui pego conversando na fila e apanhei”, relata.
Durante um ano internado, Leonardo relata que a situação mais complicada que passou lá dentro foi quando houve uma rebelião, decorrente de negligência por parte dos funcionários. “O pessoal se revoltou. Ficávamos doentes e eles não se preocupavam em levar a gente pro hospital. Eles não estavam nem aí”, afirma.
Léo, como é conhecido entre os familiares e amigos, não acredita que a redução da maioridade penal é solução para resolver a violência no Brasil. “Se dentro da Fundação os menores já fazem o que fazem, imagina no Centro de Detenção. Prender os menores com maior só vai influenciá-los mais ainda no crime”, opina o ex-detento.
Por Débora Neves, com dados do Ministério Público.