No segundo dia de atividades do Fórum Social Temático em Porto Alegre (20/1), uma das maiores tendas armadas no parque Redenção ficou lotada para o debate “Juventudes: resistência e luta por direitos de democracia”.
Convidado pelas entidades estudantis (UNE, UBES eANPG), o músico Tico Santa Cruz colocou o dedo na ferida e cobrou dos artistas um posicionamento mais claro e envolvimento maior na luta política.
“A classe artística não quer saber de porra nenhuma, não quer se envolver em nada porque não quer perder os seus privilégios”, disse, com a propriedade de quem não foge da luta e desenvolve um trabalho na música e na literatura não deixando de lado opiniões contundentes contra a onda conservadora e golpista que avança no Brasil.
“As suas responsabilidades são do tamanho dos seus privilégios”, provocou, colocando os artistas contra a parede ao dizer que a posição em que eles chegaram gera, na verdade, não um conforto e, sim, responsabilidade maior diante da participação em questões políticas, sociais e econômicas do país.
“Como artista, pessoa pública, minha função hoje é defender a democracia. Faço nas redes sociais um trabalho de desconstrução do pensamento único. Se todos os artistas que tem grande alcance pudessem levantar esse outro lado, a gente ia diminuir esse cenário de regressão das ideias. A gente precisa de mais informação para formar pessoas que pensem e produzam as suas próprias ideias”, pontuou.
Tico atacou também a concentração da mídia. “Não se pode dizer que estamos em uma democracia se mais de 70% da comunicação está nas mãos de poucas famílias. Não existe democracia sem informação”, disparou.
Para ele, as suas posições acabam criando um afastamento da grande imprensa. Isso, no entanto, é superado pelo contato direto que ele tem com o seu público. “O Detonautas é uma banda que sempre tratou das questões políticas e sociais. Obviamente por causa disso a banda foi afastada dos holofotes. Mas a internet permite a comunicação e isso nos faz continuar a passar a informação para frente”, explicou.
O músico fez ainda um alerta para que os participantes do Fórum não deixem os conservadores criminalizarem os símbolos da luta. “Estão querendo associar os movimentos sociais no âmbito da criminalização. E num país em que as pessoas vão formando as suas opiniões a partir das referências que recebem de uma imprensa não democrática, é muito importante criarmos o contraponto. Os movimentos sociais são importantíssimos na defesa da democracia”, finalizou.
“EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA”
A presidenta da UNE, Carina Vitral, criticou aqueles que difundem o discurso do “jovem não gosta de política”.
“Nós não queremos participar é da política deles, do financiamento privado, da corrupção, dos conservadores. Acreditamos que a política é processo de transformação social. Nosso política é de empoderamento das mulheres, dos negros e das negras, dos lgbts, nossa política é a que não extermina a juventude”, disse.
Carina frisou ainda a importância do enfrentamento ao capitalismo que prega que a educação é uma mercadoria. “Isso se dá em todos os níveis. Por exemplo, quando o governo do Estado de São Paulo tenta fechar escola para depois abrir outras privadas”.
A vice-presidenta da UNE, Moara Saboia, levantou a questão da luta para mudar a cara do ensino superior no Brasil. Embora no último período avanços tenham ocorrido, como o ingresso de jovens de baixa renda, para ela o ensino superior ainda não está com a cara da juventude. “A universidade ainda é racista, homofóbica, sexista. Ainda é uma universidade que acha normal que estudantes de medicina estuprem mulheres”, disparou, lembrando casos recentes de denúncias de estupros na USP e outras grandes instituições.
Com o Congresso Nacional mais conservador desde a ditadura militar, a presidenta da UBES, Camila Lanes, disse que o objetivo dos partidos que, por exemplo, propuseram a redução da maioridade penal, é “dizer que ali na Câmara e no Senado a juventude não tem voz”.
“Mas aí a gente foi, ocupou, acampou, foi pras redes, pras ruas, organizamos passeatas, atividades culturais, apanhamos da polícia, voltamos e mostramos que, sim, temos voz e queremos mais. Não vamos recuar”, disse.
Camila lembrou as ocupações das escolas de São Paulo para dizer que o sentimento de pertencimento dos estudantes durante aqueles atos é para sempre. Ela informou que a UBES continua na luta em Goiás, Minas Gerais e outros Estados contra a militarização das escolas e o fechamento de instituições.
“Nós estamos metendo o dedo na ferida. Não vamos permitir que mais uma vez o ensino básico seja esquecido. Vamos atrás de cada Estado que ameaça fechar uma escola ou que quer demitir professor. Tem caso de professores demitidos por diretores porque defendem estudante homossexual, porque defendem a criação de grêmios, tem perseguição política sim e vamos atrás.”, desafiou.
Camila também anunciou que a UBES está puxando uma campanha pelo boicote ao troco nos metrôs, principalmente em São Paulo, onde os estudantes enfrentam um aumento abusivo e a repressão da polícia contra as manifestações. A campanha funciona mais ou menos assim: a ideia é não levar moedas e sempre ter notas altas ou que dificultem o troco. Dessa forma, o metrô é obrigado a reduzir o valor por exemplo de R$ 3,80 para $ 3,50, como ocorreu essa semana na capital paulista.
(Fotos: Fábio Bardella)