Vila Nitro Operária, Zona Leste de São Paulo, 14 de maio de 2016. Leticia Garcia, de 16 anos, caminha até um grupo de garotos reunidos no pátio da escola estadual Dario de Queiroz: “As meninas estão limpando os espaços da escola que todos nós usamos durante estes dias de ocupação. Não acho justo que apenas nós tenhamos que fazer isso”. Para surpresa da garota, os colegas não interromperam nem questionaram, apenas balançaram a cabeça em concordância e subiram para dividir a tarefa.
Pode parecer uma divisão óbvia de afazeres, mas, por saber como costuma acontecer no dia a dia dentro e fora da escola, Letícia lembra da situação com carinho e orgulho. Ela é presidenta do grêmio do Dario e tem consciência de que muita coisa mudou por ali além das obras de concreto conseguidas pelos estudantes, como a que reconstruiu o muro da escola. “Duas mulheres como liderança na ocupação, uma ocupação construtiva e democrática. Acabamos nos mostrando capazes de ocupar espaços de decisão, assim como toda mulher é capaz de ser, caso queira”.
A participação ativa de garotas em todos os tipos de atividades do movimento estudantil tem chamado atenção de quem luta por uma sociedade mais justa e igualitária. “Na minha época, participar do movimento nos dava pela primeira vez uma perspectiva além de casar e ter filhos. Mas, ainda assim, a gente tinha papéis coadjuvantes: secretárias, ajudantes”, comenta Camila Silveira, que tem 32 anos e hoje é responsável pelas políticas públicas para mulheres no estado do Ceará. “Fico muito feliz de ver as meninas nos cargos de comando. O movimento social continua puxando as mudanças na sociedade.”
Claudiane Lopes, do Movimento Olga Benário, também aponta para o fenômeno: “O movimento mostra para a sociedade que não basta para mulheres poderem participar. Elas podem comandar também”.
“Me tornei uma pessoa menos individualista e tive a maior aula de cidadania da vida. A ocupação mudou o olhar das pessoas sobre meu colégio, que, por ser periférico, nunca tinha sido bem visto. Outras gerações vão poder usufruir disso.”
Crystina Sulliver
Colégio estadual Frentino Sackser
Marechal Cândido Rondon (PR)
“Não me sinto uma líder, mas acabei sendo, neste processo. Sempre pensei em mudar as coisas, mas não sabia como. A ocupação trouxe oportunidade. Cresci, aprendi e reconheci muito mais o poder de uma mulher”
Larissa Shakur, 16 anos
Escola estadual Doutor João Ernesto Faggin
Vila Clara, São Paulo (SP)
“A gente dividia as tarefas por sorteio ou pelas vontades e gostos de cada um, não tinham coisas de meninas e coisas de menino lá na ocupa”, lembra Bruna Helena, que é vice-Ubes em Minas Gerais e ajudou na construção da mobilização no Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte.
No começo da ocupa da Escola Sizenando Pechincha Filho, em Serra, Espírito Santo, só os homens cuidavam da segurança. Depois, todas as atividades passaram a ser mescladas, conta Iza Fernandes, de 16 anos.
Quatro meses depois, Iza diz que a harmonia se mantém: “Os meninos passaram a conviver com as meninas e, assim, a se entender mais também. Na verdade, muita gente que estudava no mesmo período nem se conhecia antes”.
Histórias parecidas de integração vêm de todos os cantos do País. “Justamente pela nossa ocupação ser liderada por meninas, todos viram que as minas tem capacidade. Os meninos aprenderam a tratar as meninas com o maior respeito”, diz Crystina Sulliver, liderança do colégio estadual Frentino Sacker, de Marechal Cândido Rondon, no Paraná.
Além dos exemplos práticos, muitas escolas tiveram oportunidade para conversar sobre questões de gênero. “Eu me tornei feminista ao desenvolver as ideias durante atividades com convidados. Eu já tinha pensamentos e atitudes, mas não sabia que era um movimento tão grande!” relata Larissa Shakur, da Zona Sul de São Paulo.
Por estas e por outras, Monica Ribeiro, que é coordenadora do Observatório do Ensino Médio, acredita que as ocupações são experiências ricas para se pensar em um novo modelo de educação: “Aprendemos muito com elas. Eu destacaria pelo menos duas coisas: uma é a experiência de autogestão e de gestão democrática da escola. Em segundo lugar, as experiências formativas, que associaram aulas em sentido mais convencional com outras formas como oficinas, rodas de conversa etc… Também a definição dos assuntos inovou. Essa experiência, se quisermos levar minimamente a sério uma mudança no ensino médio, não poderá deixar de ser levada em conta”. (Leia mais)
“Tinha acabado de chegar do Rio e trazia esta ideia das ocupações. Foi uma experiência que mudou minha vida. Nós, estudantes, passamos a interagir, conviver e nos entender.”
Iza Fernandes, 16 anos
Escola estadual Sizenando Pechincha Filho
Serra (ES)
“Foi uma experiência de constante aprendizado e evolução, a gente aprende muito convivendo em coletivo.”
Bruna Helena
Colégio Estadual Central
Belo Horizonte (MG)
Na Escola Dario de Queiroz, onde este texto começa, algumas mudanças são evidentes. Os estudantes garantiram uma verba de 100 mil reais para reformar um prédio ameaçado (desde que Letícia entrou na escola, o laboratório e a biblioteca estavam interditados) e reconstruir um muro caído, que agora, de pé, vai ganhar pintura de artistas locais organizados pelo grêmio.
Mas outras alterações, mais simbólicas, podem ser notadas pelos mais atentos. “Aprendemos que, quando nos unimos, não mudamos apenas a nossa vida, mas dos colegas, dos trabalhadores, dos futuros estudantes da escola”, resume Letícia.
“Aumentou o sentimento de pertencimento à escola, de carinho ao espaço e ao próximo. Conheci muita gente durante a mobilização. Foi criada esta interação entre nós, de respeito e cuidado.”
Leticia Garcia, 16 anos
Escola estadual Dario de Queiroz
São Miguel Paulista, São Paulo (SP)
“Nossa ocupação era vista como ‘feminista’ por ter em sua maioria mulheres à frente. Nós ocupamos, resistimos, lutamos e batemos de frente com quem queria criminalizar o movimento. Com certeza mudou a relação entre as minas da escola e os garotos. Espero que a mudança seja progressiva, sempre em frente.”
Mariana Benigno
Centro de Ensino Médio 304
Samambaia, Brasília (DF)