Em entrevista ao site da UBES, a doutora em ciência política e mestre em sociologia Sonia Fleury fala sobre os principais problemas da reforma da aposentadoria, que pode deixar os jovens sem este direito:
“Com esta reforma e a trabalhista, os jovens não poderão se aposentar nem entrar logo no mercado de trabalho.”
Sonia é professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, onde coordena o Programa de Estudos sobre a Esfera Pública. Como consultora, ela colaborou com a elaboração da Constituição Brasileira, no capítulo sobre Seguridade Social, exatamente o que assegura o direito à aposentadoria. Ela diz:
“A Previdência define a sociedade que queremos construir. Não é um gasto do governo, é uma contribuição de toda a sociedade para atenuar os riscos para os mais vulneráveis.”
Segundo ela, o custo das aposentadorias do Brasil hoje, apontado como vilão pelo governo, não é muito diferente de outros países. E há outros gastos grandes que não são discutidos, como o pagamento de juros ao sistema financeiro, o único poupado de cortes e congelamentos.
“Há muitas coisas a serem corrigidas em uma verdadeira reforma da Previdência que não estão sendo tocadas: as desonerações para empresas, a falta de empregos para os jovens, que estariam contribuindo se a economia estivesse crescendo, a ausência de benefícios para as mulheres que saem do mercado formal para cuidar da família, a redução da informalidade no mercado de trabalho.”
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Confira a entrevista completa:
UBES: A reforma da previdência proposta pela PEC 287 tem recebido muitas críticas. No seu ponto de vista, qual é o maior problema do projeto?
Sonia Fleury: Os principais problemas são o fato de ser uma proposta autoritária, que não se propõe a discutir com a sociedade que é toda afetada por ela, qual o melhor caminho para enfrentar os desafios, além de ser uma proposta que só se preocupa com o problema financeiro, que não tem origem na Previdência. Ao contrário, os problemas da previdência são uma consequência de um país com alto nível de desemprego e subsídios e desonerações generalizados para empresas.
UBES: O gasto do Brasil com previdência hoje é de cerca de 13% do PIB. A senhora considera muito alto?
O gasto previdenciário é semelhante ao de outros países. Para dizer se é alto ou baixo, tem que se comparar com outros gasto, por exemplo: os juros do pagamento da dívida. Essa comparação o governo não faz.
A Previdência não pode ser discutida exclusivamente a partir do gasto. Ela define o padrão de distribuição de uma sociedade, cuja consequência é o tipo de sociedade que queremos construir. Ela não é um gasto do governo, ela é uma contribuição de toda a sociedade para atenuar os riscos para os mais vulneráveis.
UBES: A senhora vê alternativas mais brandas para a Previdência que poderiam ajudar a equilibrar contas públicas com menor prejuízo social?
O Brasil desenvolveu políticas reconhecidas internacionalmente como originais e redutoras tanto da pobreza quanto da desigualdade, como o BPC [benefício recebido por idosos em situações vulneráveis, que a reforma prevê extinguir] e a aposentadoria rural [também com fim previsto na reforma].
A proposta atual afeta os benefícios para os mais pobres e vulneráveis e por isso tende a acentuar as desigualdades de gênero, de raça e da população rural. Além de afetar 7 em cada 10 municípios no Brasil que dependem da circulação de recursos dos benefícios previdenciários.
Há muitas coisas a serem corrigidas em uma verdadeira reforma da previdência que não estão sendo tocadas: as desonerações, a falta de empregos para os jovens, em especial, que estariam contribuindo se a economia estivesse crescendo, a ausência de benefícios para as mulheres que saem do mercado formal para cuidar de filhos e idosos da família, a redução da informalidade no mercado de trabalho, etc.
UBES: Pela reforma da Previdência que está no Congresso, o trabalhador precisaria começar a contribuir aos 16 anos para garantir a aposentadoria integral aos 65. Como isso pode afetar a vida da juventude?
Os jovens são o setor mais afetado pela falta de crescimento econômico e de políticas públicas que favoreçam sua absorção no mercado de trabalho. Com esta reforma e a trabalhista, eles não poderão se aposentar nem entrar logo no mercado de trabalho. Quando entrarem, serão contratos flexíveis, ou seja, impossível assegurar contribuições por tão longo período.