Seis milhões de pessoas se inscreveram para fazer o Enem em 2017. Talvez você não tenha lido por aí, mas é o número mais baixo de inscritos desde 2012! Ano passado, por exemplo, foram 9,2 milhões fazendo a prova. O número parece estar diretamente associado ao preço de inscrição, que aumentou 20% de um ano para o outro, e chegou a 82 reais.
Além da taxa, aumentou a dificuldade para se conseguir isenção do valor. O ministro Mendonça Filho anunciou que o Ministério da Educação avaliaria mais criteriosamente os documentos para evitar fraudes. Por outro lado, pessoas reais como Sabrina, Jessica, Ana Paula e Iranildo acabaram de fora da realização da prova (veja abaixo).
A isenção é direito de matriculados no último ano do Ensino Médio da rede pública e de pessoas de baixa renda, o que pode ser comprovado por duas alternativas: renda familiar até 1,5 salário mínimo per capita, ou ter número no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). No entanto, muitas pessoas nestas categorias tiveram a isenção negada e o boleto e pagamento gerado pelo sistema.
A ONG EducAfro, que oferece cursinho para pessoas de baixa renda, até ganhou um processo na Justiça e conseguiu que o Inep aumentasse o prazo para reenvio de documentos.
“O Enem é a única porta para os negros e grupos pobres entrarem nas universidades federais, no Prouni e no Fies. Com essa maldade por parte do Inep, haverá uma ampliação de negros e brancos pobres que estão sendo impedidos de avançar nos seus estudos”, diz o diretor da ONG, Frei Davi Santos
A professora Marisa Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência da USP, trabalha em projetos com estudantes de escola pública e comentou, na Rádio USP: “Tudo começou porque, em 2016, a cada 4 inscritos, 3 foram isentos. Pensam que isso é fraude, mas corresponde à realidade do País. Quantos podem pagar 62 reais para uma prova?. Impedir o acesso ao conhecimento por uma taxa é inaceitável.”
Formado na escola estadual do quilombo André Lopes, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo, Iranildo levou um susto quando recebeu o boleto para pagar a taxa do Enem, em vez de ter a isenção do valor por baixa renda. A ideia dele é conquistar uma boa nota e, em seguida, garantir uma vaga em uma universidade federal. Por enquanto, ele cursa Engenharia em uma faculdade particular. “Fico indignado. O Enem é uma das únicas oportunidades de nós conseguirmos estudar.”
Quando criança, Ana Paula foi privada dos estudos. Criada apenas pela avó, ela precisou cedo trabalhar e pedir dinheiro. Hoje, enfim se dedica ao aprendizado, direito que a Constituição deveria ter garantido, mas que o Estado brasileiro negou. Na ONG Educafro, que oferece suporte a negros e brancos pobres, recebeu incentivo para “mudar de vida por meio da educação”, como explica. E fez planos que incluem, além da sua ascensão profissional, uma sociedade mais humana: “Quero estudar Psicologia e depois fazer uma pós em psicopedagogia, para trabalhar com crianças que, assim como eu, não têm a oportunidade que estou tendo agora, de estudar”.
Só que mais uma vez ela viu um direito ser desrespeitado, ao fazer a inscrição para o Enem. Apesar de se encaixar nos critérios de isenção, pois a avó tem cadastro no CadÚnico, o sistema não reconheceu o parentesco. O erro aconteceu por uma confusão do Inep com seu nome de solteira e de casada. Resultado? Ana Paula emprestou dinheiro para pagar a taxa, mas ainda não sabe como pagar: “Eu e meu marido vivemos com um salário mínimo, já estou com o telefone cortado. Assim fica difícil até para estudar. Tem aluguel, comida… Quem vai me devolver os 82 reais?”.
Este ano, Sabrina adiou de novo os planos de completar uma faculdade. Ela faria o Enem pela quarta vez e, pela primeira das quatro tentativas, não obteve isenção na taxa da prova. “Declarei baixa renda, como nos outros anos, mas o sistema gerou o boleto. Minha renda é até mais baixa dessa vez, pois estou procurando trabalho”.
Sem condições de pagar, a garota de 21 anos ficou com as perspectivas mais nubladas. “Contava com a nota do Enem para a bolsa em algum curso. Queria fazer design gráfico ou completar Ciências da Computação. Gosto muito de tecnologia”, conta. Formada em 2014 na rede pública em São Paulo, Sabrina chegou a estudar na Uninove pelo programa Escola da Família. Porém, como trabalhava como auxiliar administrativa e não podia abrir mão do salário, ficou impossível seguir por mais de dois anos na rotina, que incluía trabalhar de dia, estudar de noite e fazer monitoria aos fins de semana.
O Enem já significou mudanças na família de Jessica, estudante da Escola Técnica Osasco II. A mãe dela, que é técnica em enfermagem, conseguiu a nota mais alta da prova e hoje estuda para ser advogada. Com o exemplo, a jovem de 15 anos queria se dedicar ao exame, mas o valor não coube no seu orçamento.
“Não tenho como pagar um cursinho, então gostaria de fazer Enem para estar bem preparada ano que vem, quando estarei no último do ensino médio. Quero conseguir uma boa vaga na universidade. Ainda que não me encaixe nos critérios de baixa renda, não posso pagar a taxa de 82 reais.”