Não se sabe ao certo como funcionarão as 54 escolas cívico-militares prometidas pelo governo federal para 2020, mas já são apontadas pelo presidente e ministros como solução para a educação brasileira. Além das 54 unidades anunciadas para 2020, são previstas 216 no total até 2023.
O projeto define que escolas públicas, estaduais ou municipais, passem a ter um corpo militar para a coordenação disciplinar e administrativa, formado por policiais militares, bombeiros ou oficiais da reserva. Essa coordenação atuará paralelamente à coordenação pedagógica existente. Por isso o nome: escolas cívico-militar.
É possível tomar como exemplo escolas públicas onde já há presença de gestão militar, por iniciativa de alguns estados, como Goiás, Amazonas e Roraima. Além da rotina escolar passar a adotar hábitos militares – contingência para superiores, organização em pelotões, uso de farda militar -, passaram a ser proibidos cabelos soltos, unhas pintadas, dar a mão para colegas e até participar de manifestações com o uniforme da escola.
Mapeamos os principais problemas deste projeto ideológico.
A escola que padroniza estudantes, proíbe diferenças e diálogos, sem pluralidade de ideias e com apenas uma moral, não está de acordo com o direito à educação da Constituição Federal nem da Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
A Constituição vê o direito à educação visando “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania”, não só a qualificação para o trabalho.
A Lei de Diretrizes e Bases regulamenta como bases do ensino:
– liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
– pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas
– respeito à liberdade e apreço à tolerância
“Apenas disciplina, sem diálogo, não vai promover uma cidadania consciente com cidadãos responsáveis.”
Anna Helena Altenfelder, pedagoga, mestre e doutora em Psicologia da Educação
“A educação tem papel de construção social, não de controle social. A gestão compartilhada com militares é uma aplicação forçada do projeto ‘Escola Sem Partido’, não aprovado pelo Congresso Nacional.”
Marcelo Acácio, vice-UBES no Distrito Federal, onde a militarização avança
“A imposição a professores e estudantes de valores, normas e concepções da instituição militar compromete o processo formativo plural”
Fórum Estadual de Educação de Goiás, estado com escolas militarizadas
O governo Bolsonaro prometeu um aporte de R$ 54 milhões para o programa de militarização, R$ 1 milhão para cada escola cívico-militar. Ou seja, muitas escolas com falta de estrutura são levadas a aderir a um programa disciplinar nebuloso para garantir recursos.
A obrigação do Estado brasileiro, segundo a Lei do Plano Nacional de Educação, é solucionar os problemas estruturais de TODAS AS UNIDADES. Isso não pode ser submetido à adesão ao programa de militarização.
Segundo o Censo Escolar 2018, 49% das escolas não estão ligadas à rede de esgoto,
26% não possuem acesso à água encanada, sem falar das demandas de reformas, equipamentos e materiais didáticos. Exatamente estas escolas são alvo do programa, que dá prioridade para unidades “em situação de vulnerabilidade social”.
“A polícia ou o exército não podem chegar dentro da escola antes de livros, bibliotecas, carteiras e professores bem remunerados.”
Pedro Gorki, presidente da UBES.
Expectativa divulgada pelo MEC: aporte de R$ 1 milhão para cada uma das 54 escolas militarizadas em 2020. No entanto, mais da metade dos R$ 54 milhões não vão para novas bibliotecas, quadras, reformas ou livros didáticos, e sim para pagar os mil oficiais da reserva alocados em escolas. R$ 28 milhões para militares que já recebem suas aposentadorias e não têm nenhuma formação para atuar como educadores.
O governo Bolsonaro encerrou o prazo para adesão de estados e municípios ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) sem esclarecer pontos básicos.
Questões sem resposta sobre as escolas cívico-militares:
– Quais os limites de atuação do corpo militar? Como a direção administrativa se articula com a direção pedagógica? Quem tem a última palavra?
– Como são selecionados os militares e com quais critérios?
– Que órgão e instância acompanha e analisa o desempenho e de que forma? A quem eles responderão?
– Quais as mudanças na rotina da escola?
– Haverá adoção de uniforme militar? Caso haja, as famílias terão que adquirir o uniforme? Ou a escola irá fornecer? Com qual verba?
As escolas públicas cívico-militares não têm base em estudos, pedagogos ou estatísticas além do fator ideológico.
“É o governo anunciando que não sabe como melhorar a qualidade da educação. Diferente de tantas outras políticas com forte evidências de impacto, a militarização não possui nenhuma.”
Priscila Cruz, mestre em Administração Pública e presidenta-executiva do Todos Pela Educação, aqui
“O programa tenta separar o que seria a gestão da escola e a gestão comportamental da parte didática. As primeiras ficariam a cargo dos militares e a segunda dos professores. Isso denota uma completa falta de compreensão sobre a educação: em uma escola, da gestão à merendeira, todos são educadores.”
Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aqui
Os defensores das escolas cívico-militares gostam de citar os bons resultados e a ordem dos Colégios Militares, mas há uma diferença fundamental. Estas unidades, de responsabilidade das Forças Armadas para formar futuros militares, investem em média R$ 19 mil ao ano por estudante. Nas escolas públicas que serão militarizadas, o investimento é em média R$ 6 mil por ano.
Assim como os Colégios Militares, os Institutos Federais têm ótimos resultados, também devido ao investimento mais alto (R$ 16 mil ao ano por aluno). Porém, são sistematicamente difamados pelo atual governo.
São muitos relatos de assédio moral e sexual nas escolas onde a polícia ou militares já atuam por iniciativas estaduais. Como estes casos em Roraima e estes em Brasília.
“Não houve formação dos policiais e muitos se encontram em reintegração por conta de transtornos psíquicos. Também recebemos o relato de alunos que são incitados o tempo todo a deixarem a escola, caso não se adequem. É o famoso ‘pede pra sair’, o que é inaceitável.”
Fábio Felix, deputado do Observatório da Militarização na Assembleia Legislativa no Distrito Federal
A militarização das escolas é apontada como solução para escolas violentas, em locais de vulnerabilidade social. Muitos especialistas questionam por que a polícia e as Forças Armadas não solucionam os problemas no bairro ao entorno da escola, como é sua função.
“O que a polícia, que não entende de educação, está fazendo dentro das escolas? Se a justificativa é que a escola está violenta, a resposta é que a violência está na sociedade em que a escola está inserida. Se a polícia não está dando conta da insegurança na sociedade, por que ela vai dar conta da escola?”.
Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), aqui
A militarização de escolas não responde aos problemas diagnosticados da educação.
Estão atrasadas 16 das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), segundo relatório do Inep de 2018. Faltam, por exemplo: vagas em creches; equiparação salarial de professores; aumento do período integral; estudantes no ensino médio na idade correta.
Falta um projeto sério e de longo prazo para nossas escolas e universidades, como vários setores já percebem.
Segundo diagnóstico de uma comissão da Câmara dos Deputados, com parlamentares de vários partidos, a gestão do MEC é “muito aquém do esperado para dar conta dos desafios educacionais que se apresentam no País”.
O governo Bolsonaro prometeu menos ideologia e mais capacidade técnica para a educação, mas o programa de militarização é o oposto disso. Por falta de um projeto robusto, o presidente e o ministro Weintraub apelam para falas puramente ideológicas sempre que se referem ao programa.
O ministro Weintraub deixa claro que o programa não é para formar melhores cidadãos ou seres humanos com maior capacidade crítica, mas sim “para garantir que nossa bandeira verde e amarela jamais será vermelha”. A fala é do anúncio das 54 escolas cívico-militares em 2020.