“O Brasil de Paulo Freire não pode ser o mesmo que destrói a educação como quer Bolsonaro”, diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e doutor em Educação pela USP. O educador e cientista político conversou com a UBES durante o Revolta, encontro secundaristas que aconteceu na Faculdade Zumbi dos Palmares em São Paulo (SP) em outubro.
Além de participar da mesa “Defesa do ensino técnico para salvar o Brasil: estudantes em defesa da educação e soberania nacional” dentro do 14° ENET (Encontro Nacional de Escolas Técnicas), Daniel deu em entrevista suas avaliações sobre a educação no primeiro ano do governo Bolsonaro.
O educador abordou temas como Fundeb, militarização e educação técnica. Para ele, o presidente quer conter o processo de democratização do ensino que ocorreu por meio de políticas como as cotas e a permanência estudantil. Leia a entrevista abaixo:
O MEC lançou um projeto de militarização das escolas para adesão de estados e municípios mas em contrapartida, não há projeto de ampliação de IFs, modelo de excelência. Qual prejuízo isso traz para a juventude brasileira?
Se o Brasil tivesse o padrão de qualidade das escolas técnicas, analisando o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), estaríamos em 5° lugar nesse ranking. Ou seja, o Brasil sabe fazer uma educação pública de qualidade. O problema é que o Bolsonaro quer destruir a educação como uma estratégia. Estamos substituindo a pedagogia pela disciplina autoritária. Querem que a gente acredite que um profissional da educação, preparado para lecionar, é pior educador do que um policial militar. E na verdade, o professor é o melhor educador que o Brasil tem. Os nossos professores tiram leite de pedra, inclusive nas escolas que não são técnicas, eles recebem péssimos salários.
Nossa escola pública é boa, mas precisa de investimento, muito bem colocado no ensino técnico, por exemplo. O Bolsonaro quer conter esse processo de democratização do ensino fazendo com que os alunos não sejam educados, mas intimidados. Um aluno intimado não é capaz de garantir um futuro.
Como você avalia o posicionamento contrário a adesão do projeto do Fundeb permanente com mais recursos da União?
Hoje temos duas forças principais em relação ao Fundeb. Há a nossa força da sociedade civil e movimento educacional, inclusive da Campanha Nacional Pelo Direito da Educação, que está refletida no texto da PEC (15/15) da Professora Dorinha (DEM-TO), o que prova que a gente consegue falar com todos os partidos. E há outro projeto do Ministério da Economia, do MEC e do Todos Pela Educação, que é uma entidade de base empresarial. Embora queiram um Fundeb permanente, na verdade querem um Fundeb rebaixado com menos recursos da União, algo que não vai garantir uma escola de qualidade, capaz de promover a justiça social.
Por enquanto, estamos vencendo esse projeto, mas a composição do Congresso Nacional é adversa. A pressão que o governo tem feito é grande e com dados mentirosos. Falaram que o Fundeb faria o Brasil perder 800 bilhões de reais, sendo que a complementação da União na nossa proposta é 50 bilhões. Mandamos uma carta exigindo a publicação dos dados, mas eles assumiram que não os tem. É um cálculo completamente mentiroso, além de ser lamentável ver que o empresariado brasileiro, nesse momento representado pelo Todos Pela Educação, está indo contra a educação pública.
O governo foca em temas como militarização, ensino domiciliar e doutrinação. Mas não discute desvalorização do professor, precariedade do ensino e falta de investimento. Por que o MEC de Bolsonaro se esquiva em lidar com os reais problemas da educação?
Na realidade, o Bolsonaro tenta destruir a educação por dentro. O Escola Sem Partido, por exemplo, acaba com a relação professor e aluno. O aluno passa a ser o dedo-duro e não respeita mais o professor como alguém que vai ensinar. Já a escola cívico-militar é colocar um policial na escola para segurar o professor e impedir a luta da categoria. Ele quer conter o desenvolvimento da educação para beneficiar o mercado financeiro, base do seu apoio.
Qual a importância de reunir estudantes para debater a educação pública num cenário recente de cortes e desmonte do MEC?
Essa geração é muito mais prepara que a minha, comparando quando eu estava no movimento estudantil. Uma geração muito mais engajada com outras pautas da sociedade e a capacidade de ver a força democratizadora da educação. Compreendem o papel da educação técnica e trazem temas como meio ambiente, diversidade e a ideia de construir um projeto de desenvolvimento. A UBES conseguiu renovar o movimento sem perder a energia histórica. Só entidades muito preparadas conseguem e são poucas, vocês estão de parabéns. Estão construindo uma nova história pra UBES e serão centrais nas lutas que o Brasil vai viver daqui pra frente.
Se pudesse definir a educação no governo Bolsonaro em uma palavra, qual seria?
Anti-educação. Bolsonaro é na verdade o governo mais anti-pedagógico da nossa história. O Brasil de Paulo Freire não pode ser o mesmo que destrói a educação como quer Bolsonaro.