No dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 25 anos, milhares de pessoas foram às ruas em diversas capitais do Brasil protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, conhecida como PEC da redução da maioridade penal. Votada no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 2, a proposta diminui a maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil nos casos de crimes hediondos (estupro, sequestro, latrocínio, homicídio qualificado e outros), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
“São corpos que morreram e foram abandonados, como qualquer um pode ver”, diz Marina Marinho, integrante do movimento Minas Diz Não à Redução e ex-funcionária de um centro de ressocialização de menores infratores. Ela foi uma das organizadoras do ato realizado em Belo Horizonte, na entrada da Estação Central do metrô.
Batizado de Corpos no Chão, o protesto foi criativo, rápido e forte. Ao toque do tambor, jovens caíram ao chão. Ao segundo toque, levantaram-se, mas os contornos dos seus corpos ficaram marcados à carvão, acompanhados de um fragmento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e uma vela.
“A população de jovens que morre no Brasil hoje é muito grande a gente não está vendo nenhuma proposta no sentido de proteger crianças e adolescentes, mas de deixá-los morrer e encarcerar”, diz Marina. Enfatizar a alta taxa de assassinatos de jovens, principalmente negros e moradores de regiões periféricas das grandes cidades, foi um dos objetivos da ação.
Os participantes da iniciativa chamaram a atenção de quem passava pela região central em um dos seus horários mais movimentados, por volta de 18h. “Eu acho interessante porque nem sempre tem alguma coisa, principalmente em BH, pra motivar as pessoas a pensar nisso. As pessoas param, querem saber o que é, querem se inteirar”, comenta Luana Rodrigues.
Em Brasília, a Rodoviária do Plano Piloto foi o palco da festa de aniversário de 25 anos do ECA. Coletivos e movimentos distribuíam doces com mensagens do Estatuto e ecoavam os gritos de guerra contra a redução da maioridade penal.
“Se você sobrevive a exclusão, a fome e chega aos 18 anos ainda tem que enfrentar os autos de resistência, que autorizam a polícia a tirar a vida dos negros nas periferias” afirmou Diarley Viana, do Coletivo da Cidade durante o ato.
“Na moral, chega de hipocrisia A PM mata preto todo o dia Redução só aumenta a tortura A juventude quer viver e tá na rua!”
A música ensaiada aos toques da batucada do Levante Popular da Juventude, que orientou centenas de vozes contra a redução da maioridade penal durante a caminhada pela Rua XV de Novembro, em Curitiba, traduz a realidade diária vivida por uma parcela da população nas periferias das grandes cidades.
Segundo os dados do Mapa da Violência 2015, os homicídios são a principal causa da morte de jovens entre 16 e 17 anos. Entre os adolescentes negros, a taxa de homicídios chega a ser quase quatro vezes maior do que entre brancos. Em 2013, o número de vítimas negras era de 36,9 em cada 100 mil habitantes, em contraste com o de 9,6 entre os brancos.
Frente ao cenário apontado, os manifestantes também defenderam a desmilitarização da polícia militar e protestaram contra o genocídio da juventude negra. Entre as vozes contrárias à redução da maioridade penal, sobressaíram aquelas que representam os mais privados de vida e de liberdade no país. A da militante Brinsan Ferreira Ntchalá, da Rede de Mulheres Negras, foi uma delas: “Se a medida for aprovada, sabemos que a carne que irá sangrar será a carne negra”.
Com o lema “Voa, Juventude”, a manifestação foi o primeiro ato de rua orquestrado por um movimento de resistência às propostas que reduzem direitos das crianças e dos adolescentes, formado por mais de 100 grupos organizados da sociedade civil. No estado em que se tem o pior sistema carcerário do país, segundo um diagnóstico realizado pela Comissão Especial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ações que buscam fomentar o debate público foram promovidas durante os últimos quatro meses, como audiências públicas na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e na Câmara dos Vereadores de Curitiba, e debates em universidades e diálogo.
Por Jornalistas Livres.
Foto: Leandro Taques | Curitiba