Galera, JOOOGRALLL!
Dia 3 de maio de 2017, completou um ano da ocupação do maior parlamento brasileiro, a Alesp. Ao ocuparmos a Assembleia Legislativa de São Paulo, consolidamos a maior ação de combate à corrupção da história do movimento estudantil, enfrentando diretamente os escândalos do governo do estado de São Paulo ligados ao roubo da merenda escolar.
A pauta era única e muito objetiva: a instalação da CPI da merenda. Não era possível aceitarmos a ideia da existência de ladrões de merenda em um dos maiores e mais ricos estados da federação. A indignação foi tamanha frente à crueldade que é tirar comida da boca de crianças e jovens estudantes da escola pública paulista. Era preciso radicalizar.
Mergulhados em uma conjuntura nacional muito conturbada, marcada por uma série de manifestações pró e contra governo, parecia impossível acreditar que os estudantes voltariam a ocupar de forma tão radical, em tão curto espaço de tempo, e que a partir dali eclodiria a segunda onda de ocupações secundaristas. Desta vez de caráter essencialmente democrático e contra a PEC 55 e a Reforma do Ensino Médio proposta pelo governo Temer.
Leia também:
Um ano depois: estudantes respondem processo sobre ocupação da Alesp
Meses anteriores, ainda no final de 2015, abríamos alas para a primavera secundarista, ao ocuparmos mais de 200 escolas contra o projeto de reorganização do Alckmin e a sua tentativa de fechamento das escolas.
O ano de 2016, quando o Ministério Público deflagra a Operação Alba Branca, ainda sob o calor das ocupações do final do ano anterior, somado à falta de merenda nas escolas técnicas, ocupamos o Centro Paula Souza, o que desencadeou 15 ocupações em escolas técnicas paulistas. A bandeira da CPI da Merenda entre as pautas.
Nesse contexto, acontece o 18° Congresso da UPES, em que estudantes, ao eleger a nova direção da entidade, escolhem como mote principal da luta estudantil a luta pela punição dos ladrões de merenda. Três dias depois, ocupamos a Alesp.
Foram quatro dias de ousadia, resistência e luta. Pela primeira vez na história da Alesp e do estado de São Paulo o povo se viu representado neste importante espaço. Escrevíamos ali mais uma página da história de luta e conquista dos estudantes e a educação.
A partir dali, a ocupação não era mais nossa. Professores, pais, artistas, movimentos sociais e gente de todo lugar assumiram esta luta.
As noites mal dormidas sob a luz de centenas de refletores e um ar condicionado muito gelado eram reconfortadas ao som das batucadas e dos gritos de apoios dos lutadores e lutadoras que acamparam em frente à Assembleia. Não estávamos sozinhos.
Artistas de todos lugares vieram nos alegrar, trazer cultura, música, poesia, mensagem de luta e esperança. Em especial recordamos de Chico César, que compõe a música “Mel da Mocidade” para homenagear a luta dos estudantes. Também fazemos referência ao ator Gero Camilo, que mais tarde montaria sua peça “Razão Social”, que tem toda a sua abertura com o jogral que realizamos ao sair da ocupação.
Foram dias oscilando entre momentos de tensão, estresse e muitas dificuldades, mas também de alegrias, aprendizado e companheirismo.
Simulamos nós deputados e o que defenderíamos para o nosso povo. Éramos nós o povo. Pela primeira vez ocupando a nossa casa. Resistimos, mas brilhamos também, com o “Alesp Fashion Week” Brilhar e Resistir (desfile de cobertores).
Vinte sete dias depois é instalada a CPI da Merenda.
Uma história que sua grandiosidade não termina em seu feito, o de ocupar. Mas sobretudo no processo de luta e resistência construído durante quase um ano.
Poucos falam disso. Mas a verdade é que esta foi a CPI, talvez a única da história do parlamento paulista, em que os estudantes e o povo acompanharam. Foram 22 sessões da CPI em que a nossa presença fez todo a diferença.
Já no primeiro dia de sessão, tivemos que lutar para garantir que as sessões fossem abertas. Queriam impedir que os estudantes acompanhassem a CPI.
O dia mais esperado por nós, com depoimento do principal político citado na operação, Fernando Capez, o então presidente da Alesp, foi marcado mais uma vez pela truculência de uma PM a mando do presidente da comissão e desta casa. Na noite anterior havíamos acampado em frente Alesp ansiosos por ocuparmos as cadeiras de todo plenário. Fomos recebido com as portas fechadas. Gás de pimenta e cassetete. O sangue de um secundarista foi derramado. Mancharam de sangue a CPI da Merenda.
No último dia de sessão, 13 de dezembro, o resultado final do relatório, não para nossa surpresa, resulta em zero políticos sentenciados e dois estudantes detidos. Afinal, com uma comissão formada totalmente pela base de apoio do governo e do mesmo partido do principal apontado, Capez, não era de se esperar muito.
Apesar da não punição dos ladrões de merenda, o que fica é uma verdade inabalável: ao lado do povo, fomos responsáveis por desmontar uma organização criminosa, um escândalo de corrupção, a maior máfia da merenda.
Rompemos com a blindagem midiática que sempre isentou Alckmin e seu partido das corrupções e escândalos que estiveram e estão envolvidos. Foram obrigados a noticiar e transmitir a nossa luta.
Provocamos uma discussão nacional acerca da merenda escolar e recolocamos novamente no centro da sociedade o debate da escola pública. Quatro dias que se tornaram reportagem por mais de trinta minutos na rede globo, filmes, documentários, vídeos, entrevistas, por todos lugares. Tornaram-se peças, músicas e estudos de doutorado.
Nunca antes na história, o nome “secundarista” foi tão popularmente conhecido. E o quanto que se tornou sinônimo de luta e ocupação.
Fomos visto e ouvidos. Talvez não tenhamos dimensão do lastro e do legado social. Talvez ainda não tenhamos nem caído a ficha da grandiosidade destes dias e desta luta.
Só assumimos, com responsabilidade, a luta do nosso tempo. Unidade, coletividade e um objetivo comum nos fizeram chegar até aqui. Demonstramos força. Não desistimos. Ecoamos ao Brasil um grito de esperança e democracia. E de que nada passará, sem participação e aceitação popular.
Sim! Nós podemos e queremos construir e eleger a nova escola. Um estado e um Brasil justo e livre de corrupção. O que só será possível com pleno exercício da Democracia, que inicia dentro da escola. Imposições e autoritarismo não cabem para nós.
Para isso, uma outra verdade inabalável, que o caminho é a luta. Só ela muda e transforma vidas e sociedades.
Estamos apenas começando.